Quando eu era criança, conhecia só duas experiências possíveis de filmes: assistir diretamente aos filmes e assistir ao Oscar. A maioria das opiniões que escutava era de amigos ou parentes próximos, o que não diferenciava ainda de uma experiência pessoal, mesmo porque quase ninguém tem mais a acrescentar sobre filmes do que "gostei" ou "não gostei". No caso do Oscar, tanto o "gostei" quanto o "não gostei tanto", indicados pela premiação ou pela simples indicação, tinham todo um aval técnico implícito, de modo que mesmo a seleção de quem concorria me indicava algum valor um tanto mais profundo reconhecido nesses filmes, e isso já me dava o que pensar.
Além disso, só no Oscar eu via um crítico de cinema realmente se deter em alguns filmes. Na época eu nem lia muito a revista de cinema que era assinada lá em casa e, quando a lia, ainda me perdia mais no celebrismo, nas fotos e na descrição dos filmes, sem perceber tão bem a parte crítica. Com o tempo isso mudaria, assim como o Oscar seria a principal, mas não única via, com Globo de Ouro e Cannes (sendo inventado e) ganhando espaço.
O crítico de cinema em questão era (Rubens) Ewald Filho. Depois de alguns anos, tanto a festa quanto a imagem do crítico começaram a ser minadas para mim. O peso do dinheiro na escolha do premiado e alguns valores que influenciavam a escolha do juri (não só os valores, mas até o fato de se considerar algum valor moral ou social num prêmio de cinema foram pintados com as piores tintas, claro) manchavam, teoricamente, o Oscar. E por um tempo isso me influenciou sem que eu achasse um norte mais pessoal para pesar as considerações que se mostravam óbvias.
Ewald Filho também foi criticado, geralmente por baboseiras como jeito de falar ou aparência. Diferente da festa, ninguém parecia achar que o crítico precisasse de objeções sérias. Qualquer coisa servia para descartá-lo, como uma celebridade ou um personagem de novela de quem não se gosta.
Não apenas pela falta de critério, as críticas a ele não me afetavam de forma prática nunca, porque eu continuava observando que, dissessem o que fosse a respeito da pessoa, ele era o único a tratar verdadeiramente de cinema na TV, que era minha principal mídia de informação e lazer. Mais do que isso, ele parecia saber muito sobre cinema, enquanto a mulher contratada para ficar bonita do lado dele só sabia falar sobre vestidos, penteados, casos e casamentos dos atores (até diretores eram distantes demais desse mundo para que ela soubesse fofoca, aparentemente). Ewald se interessava pelo cinema, não pelas celebridades, e isso me parecia ainda um valor inestimável, mesmo que ele tivesse dito a maior burrice ou babaquice a respeito de qualquer filme, o que de fato não vi acontecer.
Com o tempo, porém, foi o espaço da mulher do lado dele, fosse qual fosse (produtores de TV pareceram sempre conscientes de que, para o que pediam, não importava mesmo que mulher colocavam do lado) que foi crescendo - e era o crítico, muitas vezes, que era convidado a falar sobre fofocas, não a fofoqueira-profissional-por-uma-noite convidada a falar sobre filmes. A única exceção foi a época em que Marília Gabriela o acompanhou, mas ela, como se sabe, é uma das poucas apresentadoras com Licença para Usar QI, e na época acho que era a única (ela, no entanto, esteve atrelada ao SBT, o que complicava a parceria). Marília podia falar sobre tudo na apresentação, até sobre cinema, vejam só!
Talvez pareça que indico a indústria da moda como uma indústria sem QI. Não é o caso, mas só falar sobre moda (e fofocas) quando o assunto são filmes e estender seus comentários no limite àqueles "gostei" ou "não gostei" desse cabelo/vestido/sapato não é marca de inteligência nem de se conhecer moda.
Talvez pareça que indico a indústria da moda como uma indústria sem QI. Não é o caso, mas só falar sobre moda (e fofocas) quando o assunto são filmes e estender seus comentários no limite àqueles "gostei" ou "não gostei" desse cabelo/vestido/sapato não é marca de inteligência nem de se conhecer moda.
Como dizia, o diferencial do crítico era gostar de cinema, mas parece que se deu mais e mais espaço exatamente para quem não gosta da coisa, e precisa falar sobre indumentária e relacionamentos amorosos para matar o tempo e "entreter o telespectador" (que, pelo jeito, supõem também não gostar de cinema). O que o pessoal que comenta festas de cinema parece pensar é que ninguém vai assistir a premiação alguma, então é melhor não gastar dinheiro na cobertura, nem mesmo pagando para "jornalistas" comentarem ao vivo.
O problema é que a internet é a mídia do momento, tanto no sentido de "atual" quanto no sentido de "ao vivo". Não existe mais desculpa para não se cobrir um programa em tempo real, e a concorrência vai fazer exatamente isso. Resultado: seguem pagando mal (só posso supor, porque as coberturas não merecem salário) para gente que quer falar sobre outra coisa.
Ainda assim, a Folha de São Paulo merece um prêmio. Seus comentaristas no site compararam prêmio pela obra para Morgan Freeman com quadro do Faustão (descartaram Freeman com aquele "não gosto" de adolescente em sorveteria), ficaram falando sobre quem é atraente ou não, fazendo piadas semi-internas e tratando o público de artistas como idiotas porque não os percebiam rindo muito das piadas. Supunham obviamente que os americanos não estivessem entendendo as piadas, não que não as achassem tão engraçadas quanto os "comentaristas" (ou que o microfone não estivesse pegando muito suas risadas, o que é bem comum nessa cerimônia). Sabem como é, igualar artista norte-americano a "burro" é absolutamente natural para uma pessoa contratada a comentar arte norte-americana...
Minha expectativa é baixa, nem sabia que a Folha tinha esse acompanhamento aliás (agora vejo por que nunca ouvira falar a respeito!), mas ainda assim era de assustar.
Minha expectativa é baixa, nem sabia que a Folha tinha esse acompanhamento aliás (agora vejo por que nunca ouvira falar a respeito!), mas ainda assim era de assustar.
Não posso falar sobre o acompanhamento em canais fechados, porque passei obviamente, quando assisto, a aproveitar o acesso direto à cerimônia, sem comentaristas nacionais. Está longe de ser minha conexão única com cinema, bem como não vivo há muito restrito a Hollywood, é claro, mas ainda me impressiona que o pessoal que tenta apresentar pelo menos esse cinema para o grande público continue irresponsavelmente falando sobre outros assuntos ou escolhendo gente que não gosta de cinema para tapar o buraco. Eu esperava que ao menos o cinema que dá enorme lucro merecesse alguma atenção mais séria das empresas de TV, que (por também viverem do lucro) necessariamente veriam valor pelo menos por esse lado. Mas nem isso Hollywood merece, o que me parece dar uma medida do gigantesco desrespeito com o tema e, portanto, com o público para quem ainda acham que precisam fazer uma cobertura.
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