Ontem eu conheci o que, devido a recente novela, ficou popularmente categorizado como psicopata. Na verdade, não o conheci ontem, mas descobri ontem sua frieza, sua falta de culpa, seu perfeito descaso por qualquer moralidade ou mesmo peso da nomenclatura dessa moralidade. Ele, no caso, não chegou a fingir que se preocupasse, não tentou manipular a mim ou a outras pessoas para quem levei o caso, o que me pareceu estranho e o porquê de eu fazer a referência à novela: não estou diagnosticando o sujeito neste blog, apenas procurando a forma mais didática e sucinta de apresentar sua perfeita pureza de ato.
Chamo de "puro" porque eu ia escrever "não-culpa", mas isso ainda é partir da ideia de culpa, o que estaria completamente errado. Não havia menção de preocupação com o outro ou com o julgamento alheio naquilo que fez. Ele podia, agiu. Nem ganhava muita coisa no ato. Na verdade, ganhava quase nada. O pouco que lhe favorecia e a mera oportunidade de agir, muito provavelmente saindo ileso, levou-o a entrar em ação.
O que, francamente, me lembrou O Ateneu, de Raul Pompéia. Apesar de sempre tê-lo achado chato, mesmo conhecendo e concordando com os argumentos de sua valorização literária, esse livro tem uma base que me parece verdadeira nos mínimos detalhes desde que entrei numa escola como professor: a escola é um reflexo curiosamente proporcional da sociedade, com o detalhe de ser um reflexo mais definido que a imagem original. Assim como há o paralelo no romance com a monarquia que é derrubada, concordo que até mesmo a política da sociedade se replica na escola, ao menos no caso das brasileiras. Só que eu diria que podemos até descartar a gestão e ainda reconheceremos a cunhagem da política brasileira ali dentro.
O grande problema, claro, é que nossa sociedade vai muito mal. Como não damos conta uns dos outros, a escola também é um lugar insuficiente para tudo que nela acontece.
Pois bem, como última volta no raciocínio, permitam-me recordar que por esses dias, na ÉPOCA, foi publicado um texto (postado por uma galera em facebook, twitter e tudo o mais) em que Eliane Brum falava sobre os jovens não serem educados a sofrer ou lidar com problemas, mimados por pais que se mantinham voluntariamente alienados (da vida efetiva dos filhos) e alienantes (de seus próprios filhos). É claro que ela se referia à classe B. Ou seja, tratava-se de um problema de "elite", quero dizer, a única elite que é discutida na mídia. Ter-se-ia uma geração da pressuposição do sucesso, do despreparo para o fracasso, do que (em comparação com outras classes ou gerações) podemos chamar aqui de geração do choramingo - com trágicas consequências, às vezes.
Apesar de não fazer um post que pretendia, problematizando o texto, vou referir apenas a essência do que me ocorreu: o buraco é muito mais embaixo. Todos os problemas que ela lista não se resumem à classe abordada, no entanto todas as causas que citou se restringem a essa classe. Ou seja, creio que ela está atribuindo à grana familiar e a determinado tipo de criação o que não está nascendo aí, porque aqueles problemas todos se formam nos jovens até bem mais pobres do que os que ela abordava, muitas vezes com abuso em vez de paparico, trabalho em vez de clube, dificuldade excessiva em vez de facilidade excessiva. Existem outros elementos que cruzam a geração e que não se resumem ao que os pais estão fazendo. Óbvio que esses têm muita responsabilidade, mas outras ferramentas estão educando a galera que está para sair dos colégios por agora, e não parece haver muita gente sabendo dizer o quê. Como, aliás, aconteceu desde que existe escola. O fato é que a prática diária educa a todos nós a cada momento, toda a nossa sociedade é (só poderia ser) um enorme ato de educação. Acusamos os alvos fixos, como pais ou escolas, mas o problema é sempre bem mais amplo, o que inclui, com internet, filmes e semelhantes, um quadro que eu não diria global, mas supranacional com certeza.
Desde problemas como essa "educação para a facilidade", passando-se pelos reflexos mais óbvios da sociedade na estrutura da escola e na relação entre os alunos, até a psicopatia, o que queria dizer é que as diversas formas de mal que pululam na escola formam um quadro riquíssimo de como vivemos, e o despreparo, a falta de soluções ou de ideias para se lidar com toda essa pletora de crueldade, egoísmo e violência são também um perfeito reflexo do mundo.
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