Fashion: E você, já falou contra o bullying hoje? |
Acho que não sei mais o que é bullying. Estou aqui procurando ajuda dos leitores. Mas, antes, por favor observem o comportamento generalizado frente ao dito bullying que vou retratar aqui. Para a maior parte deste post, vou usar o conceito antigo de bullying, o último que pude aceitar.
Se uma manchete diz que ele afeta 84,5% dos estudantes da rede estadual do RJ, o que vocês pensam? Eu imediatamente penso que alguém tomou todas antes de escrever a notícia (ou de publicar a pesquisa). Lembram quando o bullying era uma violência de grupo ou que exigia um valentão muito dominador (ser bem raro, proporcionalmente)? Nesses casos, esse tipo de violência exigia que a maioria das pessoas envolvidas estivesse do lado ativo, e a minúscula minoria a sofresse; ou que um valentão dominasse algumas vítimas, mas esse sujeito tinha um limite de ação por motivos físicos, além de ser um indivíduo raro por população de alunos.
Pior ainda que se diga que, nos colégios municipais do Rio, a porcentagem chegue a 90,2%. O bullying envolve isolar um aluno socialmente ou atacá-lo fisicamente para fazer isso ou tendo isso como consequencia. Como seria uma escola em que 90,2% da população sofresse isso? Não seria possível formar nem mesmo UM grupo de amigos numa população totalmente individualizada e em grande parte machucada ou cabisbaixa. Alguém já viu uma escola em que as formações grupais não fossem a regra? Ainda que bullying tenha sido um conceito esticado até compreender relações entre países, ainda se utiliza o termo quando há desequilíbrio evidente de poder entre as partes. Desequilíbrio de poder evidente entre 9,8 e 90,2% de alunos?! É claro que não se quer dizer isso com aqueles dados. Ora, se não é o que se quer dizer, por que se diz?
Se quase todos os alunos são afetados por um tipo de violência, é (era) porque não estamos (estávamos) falando de bullying. Especialmente porque não se trata de uma forma de violência cíclica. Quem sofre hoje não faz amanhã com outro. Não é assim simples de reverter um quadro real de bullying para que ele possa ser imediatamente reativo. A reação que pode causar, no máximo, é que uma criança que se erga da situação de bullying chute o saco do chefe do grupo que a violenta, mas chute no saco, meus caros, não é bullying.
Agora, lendo a matéria, vê-se que a informação real era de que 40,4% já foi vítima (ainda um número astronômico para o conceito) e 44,1% conhece alguém que já sofreu agressões físicas ou psicológicas no colégio.
Ora, além da incongruência do primeiro dado, pelos motivos que já expus, é ridículo somar as duas porcentagens e dizer que isso é igual à porcentagem de pessoas que "são afetadas" pelo bullying. Não apenas porque os dados para as duas porcentagens podem se sobrepor, mas porque é perfeitamente possível conhecer alguém que sofre bullying e não ser "afetado" por isso. Assim como "sofrer agressão física ou psicológica" na escola não é o mesmo que sofrer bullying. Para lembrar o recente exemplo, chute no saco é violência física e não é bullying, ao menos não necessariamente. Para sê-lo, o ato de violência tem de ser consistentemente repetido e intencional, ou melhor, intencionalmente repetitivo. Além disso, ele envolve necessariamente sofrimento psicológico na vítima, já que é este o problema diferencial do bullying. Não é que se está sempre fisicamente machucado, por mais que isso obviamente não seria bom e que seria também, em si, um tipo de violência que deveria ser resolvido.
Fora tudo isso, a segunda porcentagem é absolutamente falsa. 100% dos alunos de qualquer escola conhecem alguém que já sofreu agressões físicas ou psicológicas. Acontece que a forma de os "pesquisadores" olharem para a violência e a forma de as próprias crianças olharem é muito diferente. Exatamente porque nem todo tipo de violência na escola é bullying, nem toda ela é contabilizada pelos alunos (e pelos profissionais da escola, muitas vezes). Acontece que esses outros tipos de violência são, muitas vezes, problemas que deveriam ser atacados por profissionais sociais e que estão caindo no mesmo saco ou sendo ignorados simplesmente porque os alunos os aceitam como naturais, tornando-os invisíveis à maioria dos pesquisadores de oportunidade que andam maníacos por bullying e só enxergam isso pela frente. É impossível contabilizar a violência na escola numa pesquisa rápida e, menos ainda, oportunista, como os recentes dados regurgitados no Rio por causa do "atirador de Realengo" e, por consequência, em outras partes do Brasil.
O que acontece é que bullying virou moda por alguns motivos, com certeza incluindo ser um termo muito usado nos EUA e ter servido por aqui para oportunismo político. Mais uma forma de políticos fingirem que resolvem problemas por decreto, com suas leis mágicas. Fazer medidas a respeito se tornou algo reconhecível, simples de entender para o público, gerando um certo ciclo entre novas publicações que andam praticamente nada umas em relação às outras (algumas obviamente retrocedendo) e decisões mais verbais que efetivas, especialmente de vereadores.
No fim, seria possível pensar "ah, com enquadramentos conceituais errados ou não, pelo menos a violência na escola está sendo atacada", só que atacar uma forma de violência com base em outra não é nada eficiente. A maioria das escolas são violentas, é verdade, mas grande parte disso envolve muitos outros tipos de relações, como naturalidade da violência entre as famílias que compõem aquela comunidade, glamourização de certo tipo de violência e infantilidade clássica. Por incrível que pareça para os idealizadores da vitimização, a maioria das crianças (e adolescentes) tenta resolver suas frustrações e problemas na base da violência (grito, esperneio, soco, chute...).
Enquanto todo o mundo fica pensando numa forma que envolve necessariamente um "excluído" (que não precisa ser negro, gordo, gay ou trans, mas mais provavelmente é só o mais quieto, o mais baixo, o que tem o cabelo minimamente diferente, o que quer estudar, o que não conhece nenhum dos pais, o que tem um comportamento qualquer que provoca uma postura dominante nos outros), todas as outras formas e causas de violência deixam de ser tratadas seriamente, ou mesmo de ser percebidas. É possível até que cinco alunos ataquem diretamente outro depois da aula e isso não tenha nada a ver com bullying, mas simplesmente com algo que o aluno atacado fez antes e que é visto como "inaceitável" pela maioria dos colegas. Isso não é bullying, ou não era.
Toda violência que é sistemática, mas generalizada e compartilhada por todos os alunos como natural ou aceitável, e toda violência que não é sistemática, qualquer coisa se enquadra como bullying agora. Fica tudo "chocante" no jornal, sem sentido na prática e lindo na estante da livraria. Então por favor me digam qual o novo conceito de bullying, porque o único que se enquadra nesse contexto, para mim, é "assunto chocante da moda". O grande resultado disso é banalizar para os próprios alunos o conceito. Ele vira em si uma bandeira tanto da campanha sem sentido e eterna dos adultos quanto uma boa ideia de como glamourizar ainda mais a própria dominação sobre o colega frente aos amigos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário