segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

De maio de 68 ao Egito em 2011

Estive sem internet por um tempo, numas férias conforme o verdadeiro sentido do termo, então não sei se algum estudioso fez essa comparação com mais cabimento que eu, mas... o Egito de janeiro-fevereiro de 2011 não lembra a vocês a França de maio de 68?

Lá também um movimento descentralizado de revolta jovem eclodiu a partir de manifestações e indignações diversas. Lá também o governo se viu repentinamente paralisado por uma mobilização social das mais raras em toda a história (contem os milhares de anos de história - e de abuso - e comparem com parcos dias de revoltas de indignação popular). Lá também a revolta ganhou valor simbólico sincrônico. Não é apenas na memória da esquerda que maio de 68 diz muito por si, mas na época mesmo outras manifestações que explodiam ou estavam por explodir inspiraram-se nela para ganhar força. E as que já tinham estourado somavam sinergia, mais ou menos como a relação Tunísia-Egito.

E, é claro, lá também a descentralização da revolta e o "medo" foram usados para que a situação do governo não se resolvesse, para que o posto de comando não fosse entregue e para que tudo mixasse. Aliás, como na França de então, gente como a Fraternidade Muçulmana faz decisões que mais parecem preocupadas com continuismo de certo poder do que com o encabeçamento de uma revolta popular (e a grande responsabilidade, depois, por fazê-lo, o que não sairia impune). Mubarak está repetindo de Gaulle (e tantos outros líderes da história - bons em politicagem, convenhamos) no sentido de que espera que o tempo faça seu serviço. E, enquanto ninguém dos grupos contrários ao governo toma as rédeas e assume a honra e o perigo de liderar um governo (nem que seja de transição) posto no comando pelo povo de forma direta (num sentido em que as democracias existentes não ousariam sonhar em fazer), Mubarak conta com a grande natureza humana: procrastinar. 

Ou os egípcios tomam esse cargo agora, ou logo estarão discutindo os valores num relativismo ad nauseam, pregando o fim das grandes narrativas e dizendo que "tudo é texto". Isso ou qualquer outro academicismo que queiram usar para afogar as mágoas de uma revolta popular que ocorreu como se idealiza, mas que acaba em pizza. O maior perigo da revolta do Egito, para mim, é que ela não dê certo agora. Porque, nessas situações, nosso instinto é revisar a história e concluir: "não adianta, ou pegamos em armas ou nada vai mudar".

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