terça-feira, 30 de novembro de 2010

Querido Acordo Ortográfico

Todo mundo escreve "pra" pra parecer natural, coloquial, cotidiano. Agora, se até os livros de escola são todos feitos com "pra", de nada adianta o velho argumento de que "a escrita é uma coisa, a fala é outra" quando apresentamos "para" pro aluno (qualquer aluno, mesmo adulto)! Ora, as pessoas estão justamente negando o princípio (ou pelo menos afirmando o contrário dele) sempre achando que precisam evitar a forma escrita "para" pra alguém pronunciar "pra".

Como "porque esta é a regra" não é argumento que se sustente na educação brasileira, e como todo o mundo pode escrever "pra", mesmo nos livros usados para ensinar crianças a ler e escrever, por que ninguém oficializa essa mudança logo?! Poxa, já faz mais de um século (pelo menos) que se usa a grafia não-oficial no Brasil! Mas, não: vamos tirar o acento de Odisseia, derrubar tremas... e fingir que ajudamos alguém mantendo o maldito "para" sempre no bolso, pronto para ser usado contra o texto de todos. 

Observe-se uma grande vantagem: a queda do acento diferencial para o verbo parar conjugado ("pára", que virou "para") trouxe nova incongruência à escrita, pois não se está usando aí um acento para diferenciar o verbo da ralé sintática, o que acontece com "é" e "e", "pôr" e "por", "dê" e "de" (não regidos por acentos diferenciais, mas por um muito conveniente argumento de tonicidade). A oficialização do "pra" resolveria o problema, deixando dois "a"s pra palavra que importa mesmo: o verbo!

Revolução! Abaixo o primeiro "a" de "para"!

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

E uma mulher engrossa as fileiras

Há um hábito bastante irritante se espalhando em Porto Alegre há um tempo, é o de pessoas escutarem músicas nos ônibus sem usar fones de ouvido. Tenho certeza de que não é um problema unicamente daqui, mas nunca tinha ouvido falar a respeito antes de testemunhá-lo. A música é geralmente ruim, mas qualquer música fica ruim saindo de um celular qualquer, sabe-se lá com que qualidade de arquivo (para começar). 

Na verdade, por algum motivo, esse é um costume exclusivo de quem ouve funk aqui. Comprovando isso muitas e muitas vezes, supus diretamente que fosse uma questão cultural de quem escuta esse tipo de música mesmo. Não digo apenas quem a dança (não que ache uma música dançável), mas aquelas pessoas que conseguem colocar funk como o fundo musical de uma conversa, ou algo para se distrair parado dentro de um carro. Funk parece ser fortemente acompanhado por uma cultura de auto-afirmação, pelo quase grito constante de "Eu escuto funk sim, e daí, burguesinho?!" Fazia sentido que considerassem natural, necessário ou dogmático forçar outras pessoas a ouvir sua música predileta também.

Mas não era apenas isso, todas as pessoas fone-deficientes que eu via eram também homens. Nunca via uma mulher incomodando o resto do ônibus. Cético e pessimista, supus que fosse questão de tempo, e estava certo... Mas, entre conhecer o comportamento irritante e encontrar uma mulher que o absorvesse, passaram-se alguns anos. Mesmo prevendo isso, porém, fiquei na hora um pouco incomodado.

Se só vejo homens fazendo alguma coisa, em geral suponho que haja um motivo para isso, mesmo que eu não consiga supor qual. Minha observação tende a ser suficiente para que eu suponha que seja algo característico desse gênero, ainda que momentaneamente. E eu acho sempre triste quando um gênero imita o que o outro tem de pior... Não importa que seja uma exceção, que a pessoa curta, que a pessoa queira usufruir de seu "direito de ser babaca" (também conhecido nos EUA como "Argumento Republicano de Primeira Ordem"). Devo acrescentar que ela não ouvia funk, mas o que provavelmente se chama algo como "Melô do Abracinho".

Por quê? Por que aproveitar a oportunidade de fazer uma bobagem? Ainda que as barreiras de gênero sejam relativamente flexíveis no Brasil, ou no RS, ou talvez em POA, isso significa que uma mulher não pode se questionar sobre um comportamento só reprisado por homens na sua volta e pensar que, talvez, nenhuma mulher os esteja imitando porque é uma babaquice? Pior do que isso, uma mulher, nesse caso, fazendo algo que só homens fazem é uma anuência poderosíssima. Em primeiro lugar, indica que o comportamento vai sobreviver por ainda mais tempo, pois mesmo uma pessoa do sexo oposto não o considera mais imbecil. Em segundo, indica o quanto uma mulher curte esse comportamento, de modo que os homens vão sentir que sua vida sexual estará pouco ameaçada se continuarem assim, ou até estimulada. "Vai saber, aquela não deve ser a única."

Pode ser preconceituoso da minha parte, mas eu tendo a torcer contra indiferenciações de papeis sociais que só possam se dar por uma queda de qualidade, comportamental ou intelectual. Torço para que as mulheres acordem para a estupidez do Serviço Militar, torço para que os metrossexuais contemplem a astronômica economia anual dos "retrossexuais", torço para os homens voltarem a ter a exclusividade da fone-deficiência, até que mulheres falem tanto que nunca dão para caras desse tipo que a estigma finalmente mate o comportamento e voltemos a escutar nossos pensamentos, nossas leituras, os motores, os fones ou vozes no ônibus.

domingo, 28 de novembro de 2010

Acusação necessária

Pena que ela disse isso há uns anos e só vi agora...

"If you think about it, white people have some incredible conspiracy theories, you know? 'Elvis is still alive', 'Britney Spears has talents'..."

Aisha Tyler

Mais ou menos fiel

"Ele não acredita muito em Deus."

A guria, no caso, falava sobre mim. O chato de falarem de nossa religião, mesmo quando dizem que não temos nenhuma, é não podermos estar lá para conter os preconceitos inevitáveis, não é? Uma amiga minha odiava que eu dissesse que ela era evangélica, e eu entendia seu zelo, só que infelizmente sempre surgia algum assunto que era melhor explicado se disséssemos que ela era evangélica... Ninguém gosta de ser denominado católico, com raras exceções, e sei bem que me acharem ateu tende a gerar uma série de mal entendidos. Quase tantos quanto dizerem que sou professor de português - informação apresentada em geral com mais segurança.

Mas adorei a maneira eufemizada que ela escolheu para me chamar de ateu pelas costas. Dito dessa forma, não parece que eu antes duvido do caráter de Deus do que propriamente de sua existência? A frase sinceramente implica, para mim, algo como "Ele não acredita muito em Deus. Acha que Javé mente às vezes, mesmo sem necessidade..."

Confesso que essa impressão me vem de sempre lembrar do velho "Eu acredito em lobisomens. Acredito em fadas. Agora, em vampiro não! Dizem que eles mentem muito..."

sábado, 27 de novembro de 2010

Prova real pedagógica

Sabemos que explicamos eufemismo mal quando o aluno dá como exemplo:

"O sol estava quente."

Cultura do estímulo

Estou há uns dias para reescrever o post de quarta sobre as pessoas reagirem só à forma, não ao conteúdo das palavras, inverso do que geralmente se diz. Agora tive um tempinho, então vai.

Resumiria a ideia da seguinte forma: no mítico "antes", as pessoas reagiam à forma, mas também liam o conteúdo. Geralmente paravam por aí, sem chegar a se deter em sutilezas formais, com exceção dos mais sensíveis, mais atentos ou mais especializados.

Atualmente as pessoas não vão além do que é sensível numa comunicação, não passam da pura reação à forma superficial de qualquer uso de linguagem. No momento em que o estímulo sensível da linguagem foi computado, vai-se além, para outra coisa ou para a própria expressão de sua reação, sem que quase ninguém se atenha para ler efetivamente com atenção, para pensar a respeito do que a pessoa que escreveu ou falou podia estar realmente tentanto comunicar. A linguagem, mesmo num texto, interessa como puro estímulo sensível e ponto. Fiz este blog por valorizar a retórica, coisa que me parece muito esquecida, mas sorrateiramente ela reina suprema, e aquele post era apenas a conclusão lógica de que seu domínio hoje em dia é ainda maior (e agora assustador) do que eu supunha de início.

Isso pode vir de costume, cultura ou sei lá, mas merece ser chamado de analfabetismo funcional, porque ainda é uma variação de recitar a letrinha sem entender a frase. Pior: o simples fato de a maioria das pessoas lerem assim faz com que quem escreve ou fala esteja sempre tentado falar ou escrever no mesmo sentido, ou seja, priorizando frases de efeito e termos-chave em vez de raciocínios e problematizações. O domínio da interpretação superficial converte a cada dia gente para se tornar em produtores de superficialidade.

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Horizonte para nossos debates na última década

"There used to be seven oil companies, there are now three, there will soon be two. The things that matter in this country have been reduced in choice: there are two political parties, there are a handful insurance companies, there are six or seven information centers... but if you want a bagel there are 23 flavors."

George Carlin

Continuando coleta para meu dicionário

Nota é dinheiro. Moeda é paliativo para a má-distribuição de renda.

Para não esquecer o que vende jornais.

"Veja galeria de fotos que mostram o medo e a violência no Rio"

Link da Zero, talhado para o sadismo condescendente do leitor.

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Reescrevendo morais

ou "Vivendo e aprendendo".

Dizem que um erro não justifica o outro. Mas (com esse ditado) também dizem, para aquela pessoa que responde um erro com outro, que ela "perdeu a razão". A consequência disso é que a pessoa que errou primeiro não é punida ou, pelo menos, a pessoa que errou depois será punida da mesma forma decidida para a primeira. Portanto, o segundo erro isenta o primeiro agressor de sua punição, seja plenamente, seja por ela não ser diferenciada da punição prevista para o último. Muitas vezes, porém, como a justiça feita com as próprias mãos tende a aumentar a cada revide, apenas quem respondeu violência com violência é punido, porque seu erro ofusca proporcionalmente o erro do primeiro.

Por isso, deveríamos trocar o "um erro não justifica o outro" por "um primeiro erro não justifica um segundo, mas o contrário não é verdadeiro".

O analfabetismo funcional nosso de cada dia

Comentário prévio: este post está errado e incompleto, como tudo que escrevo neste blog, mas resolvi pensar escrevendo por não poder trocar ideias ao vivo e de forma casual no momento. Quem encontrar críticas lógicas, teóricas ou de corpus ao que eu escrever abaixo está convidado a comentar (numa boa).

Considero que, por lógica, a crença que separa coisas no mundo em "forma" e "conteúdo" leva apenas a paradoxos, mas acho que essa diferença é uma boa metáfora para uma série de coisas, e sei que é assim que se percebe o mundo cotidianamente. Não estou dizendo que o clássico "forma é conteúdo" seja a verdade, a não ser num sentido bastante restrito e também metafórico. Mas o fato de nem tudo de nosso "eu" ser fisicamente experimentado ou coincidir com nosso corpo leva a concordarmos, por exemplo, que exista um "dentro" de nós, portanto também um continente nosso dessa coisa que fica dentro, continente que também somos. Por analogia, se um texto tem um aspecto visível e experimentamos algo que, intuitivamente, dá-nos a impressão de ser invisível, pensamos que o texto também tem algo dentro e algo que contém esse dentro, conteúdo e forma. Pouco nos preocupa então a complicação em que se entra se pensamos na água e tentamos dizer o que nela é forma e o que conteúdo (sem apelar para um recipiente outro), ou a dificuldade de separar a sério um texto entre dentro e fora. E tudo isso está bom, porque metáfora, metonímia, catacrese e elipse são bases bem mais constantes de nosso comportamento que lógica, silogismo, verdade e dialética.

Pois bem, dada a dificuldade das pessoas de perceberem sutilezas retóricas, sejam em quais linguagens quisermos, temos a tendência, novamente intuitiva, de dizer que qualquer um pode chegar no conteúdo, mas é a atenção e o cuidado com a forma que representa uma capacidade mais refinada de leitura (ou interpretação). Muita gente consegue entender que um poema fale sobre amor, mas poucos observarão que a rima interna e a cadência das sílabas reforçam a melancolia de tais versos. Os segundos recebem muito mais aplausos e servem de comprovação para a ideia de que a forma é para poucos, o conteúdo é para todo Zé Mané. No entanto, todos os sujeitos considerados acima tiveram algums reações à "forma" ANTES de chegarem no "conteúdo": reconhecer um poema como poema faz com que o interpretemos de determinada forma, pois nos predispomos a receber o "conteúdo" com certa postura. Por que essa reação formal inicial é ignorada? Será que suas consequências são tão insignificantes mesmo? 

Saiamos do desconsiderado mundo das Letras e vamos para o falsamente valorizado mundo da educação. Se alunos do fundamental assistem a quatro aulas expositivas seguidas, com regras de comportamento relativamente semelhantes em todas elas, parecem experimentar que todas foram iguais, ainda que cada uma tenha sido ministrada por um professor diferente e que elas tenho sido a respeito de História, Física, Português e Artes. Não é força de expressão nem metáfora involuntária, nesse caso: eles (ou os piores "leitores" ali) dizem que literalmente estão fazendo a mesma coisa desde o primeiro período. Estou considerando que não é só o gosto por certos jogos que faz com que os mesmos alunos não esperem de Educação Física nenhum conteúdo ou avaliação. Sua forma é diferente demais para que ela possa ter conteúdo de mesma natureza. Infelizmente não posso testar, mas adoraria dar aulas com o formato mais parecido possível em duas turmas, apenas falando de gramática em uma e de interpretação e produção de texto na outra. Duvido mais e mais que as reações nas duas fossem muito diferentes. 

Enfim, isso tudo era meu feeling, até que vi uma propaganda da Marina colada numa lata de lixo, um adesivo que sobreviveu à eleição. Achei uma boa associação (o lixo tinha a mensagem de reciclagem), mas lembrei-me imediatamente do exagero retórico que a política sempre envolve. Todo político faz bobagens. Seus opositores, em vez de aproveitarem isso para opor uma visão coerente, sensata e atraente, exageram no tom e levam sua crítica ao extremo, perdendo a razão. No caso da "bolinha de papel" acertada no Serra, por exemplo, temos a tomografia de um lado e o discurso ridicularizante do Lula de outro, ambos exageros desnecessários  logicamente falhos, que só fizeram sentido para quem já ia votar em cada lado mesmo. Importava o que PSDB ou PT diziam a respeito? Não. O que importava era que a ação do PSDB era uma crítica ao PT, e vice-versa, e isso se percebia formalmente, ou seja, não era uma interpretação séria ou cuidada do que era dito, era uma aproximação que se fazia só de se "bater o olho no texto". 

A oposição (seja de quem for) falou algo errado? "Mentira"! Mesmo que não se esteja discutindo a verdade do que foi dito, mas a interpretação que se dá a alguma coisa. Por exemplo, digamos que prédios públicos não possam ser usados em campanha. Se alguém critica que os outros façam isso, quem critica não está "mentindo". Por outro lado, se a questão é discutível, se existir previsão legal para determinada conduta que supere a proibição genérica, então nenhum lado está "mentindo". Podem é todos estarem errados, pois ambos os lados referem apenas metade da questão, mas nenhum está dizendo algo que não seja verdade, tecnicamente. Dizer que a gravidade atrai tudo para a Terra não é falso só porque um balão de hélio sobe. Mas a subida do balão também não "desmente" a afirmação de que existe gravidade. O conflito é outro, que fica esquecido porque é mais importante brigar que discutir.

Ainda assim, "mentira", "ladrão", "capitalista", "burguês", "totalitário", "racista", "machista", "brega", "guerrilheira", "terrorista", "playboy", "corrupto", "ignorante" são termos que salvam muito tempo de vida no Brasil, pois qualquer um, numa olhada, sabe se o texto (ou discurso) é contra ou a favor daquilo de que a pessoa gosta. O cidadão pode imediatamente reagir, apoiar e exagerar o ponto de vista superficialmente reconhecido (geralmente levando-o ao absurdo e perdendo totalmente a razão) sem ter de ler e pensar a respeito. Sem precisar conhecer conteúdo nenhum, muitas vezes. Tanto que as palavras mais gastas são tão imediatamente associadas a certas ideias que levam, por exemplo, pessoas a interpretar o contrário do que está escrito. Acha-se que um texto é anti-machista, sendo ele exatamente o contrário, apenas por ser escrito por uma mulher e por falar sobre as clássicas reclamações femininas.

Prejulgar é instintivo em nós. E a aparência, na língua, também é a chamada "forma". Quantas pessoas realmente conseguem superar a forma para pensar sobre o conteúdo, para entender o conteúdo que for? Nem pensemos tanto em quantas dão a volta final e retornam à forma para interpretá-la à luz do conteúdo. Menos do que parecem chegam mesmo ao "conteúdo", e isso é um problema mais premente.

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Enfim tiro mais proveito do facebook

Postado por  João Paulo Cyrino:

"Critério importante para identificar uma falcatrua. No texto do edital de qualquer coisa acadêmica conter o seguinte item: 'O desenvolvimento de uma consciência crítica quanto às reflexões envolvidas em cada uma das áreas a serem desenvolvidas no Projeto'".

Ontem, às 13:32

domingo, 21 de novembro de 2010

Provocação para criar um videolog

Os 27 anos da Rádio Ipanema foram comemorados hoje no Anfiteatro Pôr-do-Sol, um lugar para shows abertos, na beira do Guaíba.

Nisso, como queria ter filmado um morador de rua, com seu carrinho de compras vazio na frente, dançando Dívida, do Ultramen, superanimado e soltando o gogó em "Aquela dívida de uns anos atrás está bem viva", além do cachorro que vinha com ele e que parou pacientemente enquanto o cara dançava.

PS: A grande entrada do Leopoldina na música brasileira.

sábado, 20 de novembro de 2010

Sonhando com um mundo melhor

Se Freud tivesse escrito algo sobre buzinas e recalque sexual, nossas cidades seriam tão mais quietas...

É claro que haveria, em alguns momentos, manifestações de buzinaço identitário ou revolucionário, e artistas pós-modernos aqueceriam (em alguns momentos) a indústria automobilística.

No entanto, de lá pra cá não mudou

DEPRAVAÇÕES DO GOSTO

Empoleiro-me numa lanchonete. Peço iogurte.

- Iogurte limão?

- Não!

- Ah, tem iogurte morango.

- Mas não tem iogurte puro?

Pura é a inocência minha. Pois tudo o que preferem agora é com gosto de outra coisa e não da própria coisa.

Peço um mineral. Oferecem-me mineral limão, mineral laranja etc. Procuro uma barra de chocolate. Vejo que é "flavorizado", como lá diz no invólucro.

É quase impossível hoje em dia encontrar chocolate com gosto de chocolate, iogurte com gosto de iogurte, ou uma democracia apenas democrática.

Mário Quintana - há umas décadas atrás.

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Falando em casos mal resolvidos...

E hoje o caso da Yeda foi reaberto. Dessa vez o caminho correto de encaminhamento está sendo feito, o que significa que o dinheiro desviado vai novamente ser procurado, bem como seus responsáveis. O STJ mal anunciou a decisão e o advogado da governadora imediatamente avisou que vai pedir que a mesma seja revista, o que não deve dar em nada além do prosseguimento da eterna postura de ganhar tempo e adiar, as grandes ferramentas políticas desde o início dos tempos.

A Zero Hora não deixou de ironizar a medalha da BM que Yeda recebeu no mesmo dia em que o caso foi reaberto, colocando a foto da cerimônia no meio da matéria que mencionava, inclusive, que a investigação do desvio de dinheiro podia ter virado seu Impeachment. E não é que a "governadora" teve a cara de pau de escrever no twitter "Ao povo que lê jornal: esqueçam das manchetes de capa e olhem a medalha que recebi: Zilda Arns, pelo PPV e seus resultados. (...) Analisem que a foto de ZH é a medalha, e a manchete ré pelo Detran. Prá quê, Zero Hora? Qual Detran? O meu novo Detran público só elogios?" Coitadinha. Faz de conta que não entendeu. "Faz de conta" necessário, pois "não entender" é postura política obrigatória muitas vezes...

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Polícia - ainda o problema da educação

O caso do Bruno vai seguir um caminho conhecido: será contestado por conduta inadequada na investigação. George Sanguinetti, assistente técnico da defesa, vai levantar uma série de problemas técnico-burocráticos. O que me faz pensar: uma grande vantagem de melhorar a educação no Brasil será tornar bem mais comum que possoas que se responsabilizam por encontrar culpados sejam tão minuciosas, obsessivas, dedicadas e irritantemente profissionais quanto o pessoal que busca defender acusados. Então, nos casos realmente polêmicos e complicados, finalmente será possível confrontar provas e versões e não ficar discutindo se o delegado devia ou não ter pedido desculpa por ter espirrado antes de fazer tal pergunta. 

Não é que as contrariedades que o Dr. George vai levar sejam picuinhas, mas é extremamente cansativo essa coisa de toda pessoa rica, famosa e acusada de crime hediondo (técnica ou popularmente), seja violência física ou política (corrupção, formação de quadrilha, espionagem, censura), seja inocentada porque as condutas técnicas e legais não foram seguidas de forma adequada. Para traduzir em termos que no Brasil importam: imagine-se que gols fossem perdidos por juízes cometendo infração técnica. Goleiro e atacante, bola e rede fazendo seu serviço, anula tudo porque o juiz estava com chuteira ilegal.

Compare-se com o caso da família Nardoni, também contestado pelo mesmo George. Acabou em punição à revelia das críticas do médico, mas justamente foi uma situação em que ele questionou a ciência criminal. Ele discutiu Física, não procedimento de investigação. Aí ele (ou seu argumento) perdeu. Não só isso, claro, a família não tinha ninguém famoso, e as dúvidas de Sanguinetti eram sobre o autor específico do crime, a forma como a criança seria lançada... coisas que deixavam margem demais para outras interpretações. Veremos o que acontece com o Bruno. E se, capaz de duvidar da culpa, ele será capaz de provar inocência (desnecessário pela nossa lei, mas seria um avanço sobre os argumentos burocráticos e poderia pelo menos convencer de que não estão soltando um assassino violentíssimo).

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Marx, o Conselheiro Amoroso Pessimista

"The cure for the working man" não passou como slogan vendável, então Will viu que era melhor não escalar nenhum barbudo e estrelar o filme ele mesmo.
Marx teve grandes efeitos na História, mas o eco mais cotidianamente sentido não se compara a revoluções, mudanças de discursos e paradigmas nem nada do tipo. É apenas a criação do marxista de universidade. Ou seja, aquela pessoa que se torna marxista muito mais por ambiente que por teoria e que, mesmo que saia da universidade um dia, não perde o ranço nem ganha profundidade teórica. Esse tipo de marxismo se organiza muito semelhantemente ao cristianismo cotidiano, ou seja, há uma figura central, Cristo, digamos, que se destacou da média dos mortais pelos motivos que sejam. Esses atos geraram seguidores e continuadores. Alguns destes ficaram tão conhecidos e foram tão relevantes que pareciam a continuação perfeita da teoria do pai fundador. A autoridade sacra do primeiro passou então a infectar os continuadores. Na equação final, o autor mais moderno entra com a atualização da teoria, e o pai fundador entra com o status de verdade para a mesma atualização. Hobsbawn, assim, seria São Paulo.

Acontece que o marxista de universidade, como o cristão cotidiano, não se aprofunda necessariamente em ler textos nem em conhecer teoria. Apenas segue o espírito da coisa, ou o que imagina sê-lo, por ambiente, como dito.  O sujeito exposto tempo demais a esse ambiente não se recupera quando sai dele. Pelo contrário, sem o convívio cotidiano com os pares (digamos que o cara tenha inventado de trabalhar), sua imaginação e sua memória tornam-se as únicas referências teóricas à disposição, e a Verdade dita "por Marx" apenas se dilata, dominando o mundo.

Num belo dia, a pobre pessoa é capaz de dizer que a separação amorosa é inescapável, porque o desgaste é inexorável, como demonstra o marxismo (n.b.: a pessoa indica isso com base "na teoria"; não é o desgaste do marxismo que está sendo considerado, pois isso, obviamente, a pessoa acha que nunca aconteceu)! Contemplam? O sujeito não sofre a separação, não é algo que acontece com ele. Muito menos, tem alguma responsabilidade no ocorrido. Não! A separação apenas é. E ela é porque se trata de uma Verdade estabelecida, por Marx! O ex-casal não deve sofrer. Não deve resistir nem se questionar. Não deve fazer diferente nem pensar a respeito. A dialética materialista levou o relacionamento embora, como uma camada do pneu que simplesmente ficou na pista. Adeus, romance; adeus responsabilidade pessoal... "Marx" disse, está dito!

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Excluído do clima

Ontem meu computador marcava temporais e tempestades, mas minha janela só mostrava sol. Fui olhar um site de previsão de tempo e lá também estavam estampadas as fortes trovoadas que assolariam minha cara cidade. Pior do que isso, o site mostrava comentários de facebook de meus conterrâneos comentando a chuva e reclamando do clima. Hoje, quando choveu aqui, o computador indicava sol, e agora que a tarde se põe com esparsas nuvens eu supostamente deveria estar abaixo de chuviscos. Assim não pode, assim não dá. Isso explica aquela friaca descomunal por que passei quando todo mundo falava em aquecimento global.

domingo, 14 de novembro de 2010

Senso comum, bom senso, vox populi ou as más línguas


Acabo de assistir a este filme, velho, parado, silencioso, voltado a uma mulher sem horizontes e ao homem que a conhece (não como numa comédia romântica) no dia em que Hitler visitava a Itália para firmar comum apoio. Chama-se Una giornata particolare, com Sophia Loren (propositalmente enfeiada e envelhecida) e Marcello Mastroianni (também envelhecido e, dizem autoridades maiores, enfeiado). Como o filme é italiano, ainda de 1977, de uma estética bem particular, não o recomendo, pois gostaria que vissem apenas por própria conta e risco: tenho a forte consciência de que, hoje, ele pode agradar bem poucos. Porém achei o filme muito interessante em vários sentidos.

Um dos que me pareceu mais importante é o problema da aclamação popular. O filme trata como dado o nazi-fascismo ser aceito e intimamente defendido por uma parcela absolutamente dominadora da população italiana. Não é que eles digam que absolutamente nenhum italiano era contra, pelo contrário, mas com certeza Mussollni, ou mesmo Hitler, ganhariam uma eleição por esmagadora maioria, na Itália que o filme apresenta.

O que eu acho legal nessa problemática é que ela sempre leva a um parodoxo, do meu ponto de vista. Se a voz do povo não pode ser a voz de Deus, e a voz de um Deus, na política, sempre se revelou a voz de um ditador, como conciliar a defesa de determinados valores fundamentais (contra a massa) sem cair num discurso que mal oculta ser simplesmente a expressão sublimada de interesses bastante restritos de uma classe ou grupo - e como defender a soberania da democracia baseada na vontade popular quando bem se sabe as merdas que um "povo" pode fazer? O surpreendente homem que surge a essa mulher de forma acidental não faz parte do povo? Com certeza não é significativo, não representa uma camada que, mesmo "em outra situação", seria a maioria... Ainda assim é aquele que defende ideais similares (não os mesmos, de forma alguma) que "intelectuais", de esquerda ou direita, dizem defender hoje, só que os grandes grupos de defensores ideológicos de hoje, ainda que incluam intelectuais, continuam parecendo com aqueles que o confrontam no filme. 

Isso não é discutido frontalmente pelo filme. Na verdade, a forma quase documental como o filme apresenta esse problema, logo no início, é mais forte que um questionamento ideológico assim explícito, mas ressalvo aqui para que quem se anime a procurar o filme não espere um documentário político. É uma peça introvertida. Nele não há grupos, por assim dizer. Ainda que aparentem um bloco só, inteligentemente se mostra a individualidade daqueles que cruzam a tela para se confundir na massa assanhada da adoração inquestionada. Ou daqueles que descobrem, de relance, que a realidade pode ser mais complicada que "Sim ou Não".

sábado, 13 de novembro de 2010

Enem vi essa

A citação já está um pouco passada, mas não tinha visto a frase em lugar nenhum. Pelo contexto da segunda, gostei o suficiente para postar mesmo atrasado:

"Esses erros de impressão, de montagem e de aplicação das provas do Enem foram todos admitidos pelo Inep, o qual se manifestou sobre isso de forma pífia" - a juíza federal Karla de Almeida Miranda Maia, do Ceará, no que escreveu sobre aceitar a ação de suspensão do Enem (ainda que eu ache certo que ele não tenha sido suspenso de vez).

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Educando para ler a lei

"Eles só deram uma maqueada no nome aqui..."

Foi a coisa mais curiosa ouvir um ex-morador de rua (atualmente responsável regional do Conselho Tutelar) usando essa expressão inúmeras vezes para destrinchar, para uma turma de adolescentes repetentes, os meios legais por que suas vidas podiam ser destruídas (termo dele) se seguissem se achando o máximo por fazer rebeldia sem causa. No caso, eram as instituições e medidas do governo que estavam "maqueadas", ou seja, ele desnudava o politicamente correto que cobria os referentes de cada lei ou o nome de antigas instituições que tinham mudado "apenas no nome". Educativo. Aprendi muito. Parece que os alunos também.

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

"Trato é trato" disse o demônio. Justo demônio.

Numa significativa tradição europeia, apesar de não me parecer ser exclusiva deles a ideia, demônios contentam-se com os pactos. Assim que o pacto acaba, como previsto ou não, a relação recebe um fim. Sem ressentimentos. Mefistófoles não atazanaria o bisneto de Fausto só porque este se saiu bem do que parecia a armadilha perfeita. Em parte essa crendice parece reeditada em diversas épocas e talvez tenha relação com o fato de que soaria absolutamente alienígena que Satã se cobrasse de herdeiros de Jó, ainda que Javé punisse por gerações naquela época. Se o pacto é levado a contento, é claro que os demônios não têm do que reclamar, e se regozijam do sucesso como bruxas com seus escravos em alguns contos populares muito antigos. Mas, mesmo que a oportunidade de vingança esteja caindo de madura, eles não se vingam daqueles humanos que driblaram os traiçoeiros quesitos armados por eles próprios. Se a assinatura do pacto é um selo aparentemente infalível, demônios não parecem se ressentir daqueles que superam tal aparência, já que regras são regras.

Que regras não sejam regras parece uma lei específica de humanos, assim como a vingança. Que digo? Que numa cultura pouco letrada o contrato parece algo tão poderoso quanto demoníaco? Sim, mas também que a vingança, em particular a gerada pelo ressentimento infundado, é tão reconhecidamente humana que, no caso dela, mesmo culturas mágicas prescindiram do direito divino de culpar o demônio.

Bolsa Isonomia no Enem

Novo projeto do governo:

O governo deve resgatar horas e horas de exclusão social. Se você tem entre 16 e 104 anos de idade, prestou Enem em território nacional ou indígena, tem 75% de presença na prova e inscreveu-se após a recriação da CPMF, tem direito a dois salários mínimos por mês até conseguir trabalho digno, segundo sua própria opinião. A prova deve ter sido realizada pela maior e mais súper híper ultra especial gráfica, que é perfeita mesmo que erre feio sempre e às vezes perca umas provas na estrada. Se o fiscal não avisou sobre as pegadinhas do Caderno Amarelo, da Numeração Azul e do Ladrilho Rosa, segundo testemunho isento e oral de você mesmo, o próprio concorrente-reclamante, também pode requerir 13o, a ser pago até que, jovem, adulto ou vivente da melhor idade, exija o término da Bolsa.

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

TOP opiniões políticas no cotidiano

"Imagina se eu ia votar na Dilma, que se veste daquela forma brega"- entre os dois turnos, numa fila na Renner.

"Eu não gosto dessa mulher [Yeda, descendo do carro oficial a 5m], acho ela muito antipática" - transeunte na Feira do Livro de Porto Alegre.

"Político é que nem comida, cada um tem um gosto (e não se discute)" - jornaleiro no Centro.

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Boa estima para dar e vender

"O meu marido tem uma camisa idêntica à tua. O que indica obviamente que és uma pessoa de bom gosto, pois eu obviamente só poderia estar casada com uma pessoa de bom gosto."

domingo, 7 de novembro de 2010

Uma amadora politicamente correta

O egocentrismo nem sempre é um fator cultural negativo. Nem que seja indiretamente, ele guarda um potencial de renovação social, pois, não importa a que grupo de "excluídos" pertençamos, pensar com tanta força que somos o centro do mundo, no mínimo ao longo da juventude, faz com que todo o resto do mundo seja um Outro. E então, mesmo que se suponha que a pessoa já introjetou "exclusões sociais gravadas na linguagem cotidiana", ela ainda pode produzir frases dizendo que o esporte nos "ajuda a se manter inteira(o)".

sábado, 6 de novembro de 2010

Enem - melhor que o último (se serve de consolo)

"Tudo ocorreu de forma tranquila e a realização do exame foi um sucesso", conforme José Joaquim S. Neto, presidente do Inep (mais que uma sigla, um trocadilho de bandeja).

Sua opinião, no entanto, foi feita após a confirmação da inversão de cabeçalhos e antes de se saber se o problema de perguntas repetidas pode ser evitado para as provas seguintes. Além dos problemas, ele obviamente não tem como saber o resultado geral dos alunos, ou seja, o nível de rendimento dos enemandos. Mas, fora isso tudo, sim, grande sucesso.

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Mobilidade social

Imaginem quantas pessoas teriam de mudar de profissão se seguíssemos à risca esta dica de Umberto Eco:

"Defina sempre um termo ao introduzi-lo pela primeira vez. Não sabendo defini-lo, evite-o. Se for um dos termos principais de sua tese e não conseguir defini-lo, abandone tudo. Enganou-se de tese (ou de profissão)."

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Sensível verão

Assumimos que o verão chegou quando sentimos na pele que esquecemos de mudar a estação do chuveiro.

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Arte-luxo-lixo

Na Feira do Livro de Porto Alegre:

"Escuta, quem é que organiza essa feira, hein? Eu preciso perguntar: porto-alegrense vive de quê? De historinha?! Eu estou procurando em toda a Feira livros de Engenharia e nada. Como é que tu me explica isso?"

Alunos em manutenção

Eu não sabia: nas escolas municipais de Porto Alegre, os alunos não são reprovados, nem retidos, nem rodam. Eles são... mantidos. Além do óbvio envolvimento do espírito politicamente correto, no passado, existe agora uma questão técnica para o termo. Há algum tempo, a Secretaria Municipal seguia o sistema de Ciclos. Como parte disso, a reprovação foi extirpada das escolas. No entanto, o resultado foi desastroso e acabou-se chegando a uma meio-termo que está muito mais para o sistema seriado hardcore que para uma versão dos Ciclos. De qualquer forma, por herança terminológica dessas alterações, ninguém podia reter alunos quando a forma quase seriada de Ciclos foi escolhida, a não ser uma escola, que previa isso em seu estatuto. Então essa escola retém alunos e as outras, sem previsão legal para reter, reprovar ou rodar, "mantém" os alunos.

Existe pelo menos uma outra consequência importante dessas transformações: como ainda se diz que as escolas funcionam em Ciclos, a repetição não voltou apenas com outro nome, ela tem uma importante restrição, a de que o aluno só pode ser mantido uma vez a cada ciclo. Ou seja, no caso de matérias específicas, como a minha, entre os 7a e 9a anos, só se pode "manter" um aluno uma vez. Isso obviamente exclui a ideia de se defender a manutenção de um aluno no 9a ano, pois é considerado criminoso rodar alguém no último ano (ou seja, só pode ser aplicado a alunos criminosos) e a pessoa não poderia ter sido mantida nenhuma outra vez no terceiro ciclo (o que é raro entre criminosos). Portanto, é necessário prever o futuro do aluno para se decidir se é mesmo a hora de "mantê-lo", com a finalidade de "proporcionar novamente um crescimento do qual ele não soube tirar proveito". Lindo.

PS: A nomenclatura escolhida talvez também seja um reforço contra o medo da evasão escolar.

terça-feira, 2 de novembro de 2010

100% desaprovado

Parece-me muito estranho que certos produtos queiram se vender indicando que não têm mercado. Volta e meia, particularmente entre o pessoal de higiene bucal, criam uma propaganda que indica que tantos por cento da população tem determinado problema e não faz nada a respeito. Ora, quem tem um probleminha médico e "não faz nada a respeito" justamente consegue conviver com ele numa boa, não acha que isso é motivo para se incomodar e gastar mais, até porque sempre temos alguns probleminhas médicos leves com os quais convivemos no dia-a-dia. Não é à toa que quem se entope de remédio é mal visto, este não é o comportamento usual do grupo considerado saudável da população. Pois bem, os outros tantos por cento, os que fazem algo a respeito, já "fazem algo a respeito"! Não precisam de um novo produto porque deram um jeito! Ou seja, quem deveria se atrair pelo produto mesmo?

Mas lógica e consumo não têm a ver, é claro. Tanto que a tática é sempre reciclada, o que indica, espero, que tenha resultado. Por outro lado, é também triste que essas propagandas funcionem...

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Mijando na América

Hugo Chávez é realmente um chefe de Estado. Sua primeira reação à eleição de nossa futura presidente foi tentar marcar território mandando "um beijo para a minha querida Dilma"... Mais um a subestimar a nova "mulher no poder" ou um seguidor de "a tenteada é livre"?

O mês perdido

Eu me lembro de ouvir muito sobre a enorme perda de tempo de um segundo turno quando ele redunda no mesmo resultado que o primeiro. Nesta eleição, em que não ouvi comentários do tipo, foi mais o que senti. Mas não como mera perda de tempo, perda de perspectiva. Ainda que o primeiro turno tenha herdado coisas ruins que deram certo na reeleição do Lula, como a mitificação de sua história e de sua pessoa ou a fuga de debates quando as intenções de voto indicam gigantesca vantagem, prefiro que herdemos, para a próxima eleição, as táticas do primeiro turno que as do segundo. As coisas continuarão mais ou menos onde estavam em termos eleitorais se a vitória da Dilma no segundo por menor diferença faça com que os marketeiros confiem mais nas táticas do primeiro turno, o que considero uma das vantagens de ela ter, enfim, ganho a eleição. Ou seja, se seu governo não for mesmo o Governo do Mal, como queria o Serra, pelo menos não regredimos no que diz respeito à campanha eleitoral, o que não é pouco, como pode parecer. 

Quando Lula ganhou a reeleição, o que os votos disseram, no mínimo, era que ele tinha carta branca para sapatear nos brasileiros, se quisesse, pois um cara que está saindo de um escândalo como o Mensalão (sendo suspeito de diferentes formas) e é aceito com aquela margem de votos só pode escutar das urnas uma voz lhe confirmando o ser mítico que seu marketing afirma. Para nossa sorte ele não era o bebum desmiolado que chegou a se pintar.

O que o segundo turno desta eleição diria (e a vitória do Serra o diria com mais força do que um resultado que acabou pior para a Dilma que o do primeiro turno)? Que Bem e Mal são descrições políticas apuradas? Que os evangélicos não são uma força politica relevante, mas sim decisiva, foco central de uma campanha? Principalmente: que discutir impostos, previdência, trabalho, educação, segurança pública, reforma política é totalmente irrelevante em oposição a se decidir se o que acertou um candidato era mesmo uma bolinha de papel. Não é que se deva atacar presidenciáveis, mas que, no mínimo, a coisa era pra menos.

Para mim, o resultado desse segundo turno foi piorar as propostas dos dois lados. A Dilma sai pior dele que do primeiro, pois só o que ela parece ter feito foi ajudar a regredir o debate sobre o aborto (e sua trajetória nas últimas décadas) para o não-debate, a posição proibitiva de debate que Serra e Dilma tomaram no fim da eleição, em que eles nem podiam mais falar a palavra aborto, e a competição era a de quem valorizava mais a "Vida". Se Serra comprou os termos que o PT dava para a campanha, nisso, pelo menos, foiram os marketeiros do PSDB (ou vários eleitores do PV) que conseguiram dar as cartas. Grande vantagem! A religião, tão poderosa e importante Religião, que se queria fundamental para os nossos valorosos governantes, deixa-nos este grande saldo: enquanto ela virou ferramenta de marketing, suprimiu qualquer discussão minimamente esforçada sobre outra coisa que não ela própria. Afinal, além de promessas numéricas, o que se falou sobre trabalho, saúde e educação, ou até mesmo sobre MST e infraestrutura? E de onde surgiu a ideia de que só é possível ter valores se se tem religião?

Fim da campanha, os carros já sendo desligados, e os programas de governo, prometidos para antes da campanha, são lançados silenciosamente, num momento em que ninguém mais queria ler, já que a grande consequência desses "debates" acima foi que não só os PSDBistas tinham medo do PT, dessa vez também os PTistas (não só os militantes) estavam com medo do "Brasil com Serra". Surpresa, surpresa: tivemos a prévia do que seria o bipartidarismo no Brasil, duas trincheiras de gente com medo que não aturam uma palavra do outro lado e, como todo animal acuado, atacam com pedras aquilo que temem e não entendem.

PS: Um ponto positivo do segundo turno foi ver os "analistas" da BAND argumentando que a Dilma tinha ganho por influência das pesquisas incompetentes e mal feitas que previam 12% de vantagem apenas para ver o resultado final ser exatamente este!