Eu me lembro de ouvir muito sobre a enorme perda de tempo de um segundo turno quando ele redunda no mesmo resultado que o primeiro. Nesta eleição, em que não ouvi comentários do tipo, foi mais o que senti. Mas não como mera perda de tempo, perda de perspectiva. Ainda que o primeiro turno tenha herdado coisas ruins que deram certo na reeleição do Lula, como a mitificação de sua história e de sua pessoa ou a fuga de debates quando as intenções de voto indicam gigantesca vantagem, prefiro que herdemos, para a próxima eleição, as táticas do primeiro turno que as do segundo. As coisas continuarão mais ou menos onde estavam em termos eleitorais se a vitória da Dilma no segundo por menor diferença faça com que os marketeiros confiem mais nas táticas do primeiro turno, o que considero uma das vantagens de ela ter, enfim, ganho a eleição. Ou seja, se seu governo não for mesmo o Governo do Mal, como queria o Serra, pelo menos não regredimos no que diz respeito à campanha eleitoral, o que não é pouco, como pode parecer.
Quando Lula ganhou a reeleição, o que os votos disseram, no mínimo, era que ele tinha carta branca para sapatear nos brasileiros, se quisesse, pois um cara que está saindo de um escândalo como o Mensalão (sendo suspeito de diferentes formas) e é aceito com aquela margem de votos só pode escutar das urnas uma voz lhe confirmando o ser mítico que seu marketing afirma. Para nossa sorte ele não era o bebum desmiolado que chegou a se pintar.
O que o segundo turno desta eleição diria (e a vitória do Serra o diria com mais força do que um resultado que acabou pior para a Dilma que o do primeiro turno)? Que Bem e Mal são descrições políticas apuradas? Que os evangélicos não são uma força politica relevante, mas sim decisiva, foco central de uma campanha? Principalmente: que discutir impostos, previdência, trabalho, educação, segurança pública, reforma política é totalmente irrelevante em oposição a se decidir se o que acertou um candidato era mesmo uma bolinha de papel. Não é que se deva atacar presidenciáveis, mas que, no mínimo, a coisa era pra menos.
Para mim, o resultado desse segundo turno foi piorar as propostas dos dois lados. A Dilma sai pior dele que do primeiro, pois só o que ela parece ter feito foi ajudar a regredir o debate sobre o aborto (e sua trajetória nas últimas décadas) para o não-debate, a posição proibitiva de debate que Serra e Dilma tomaram no fim da eleição, em que eles nem podiam mais falar a palavra aborto, e a competição era a de quem valorizava mais a "Vida". Se Serra comprou os termos que o PT dava para a campanha, nisso, pelo menos, foiram os marketeiros do PSDB (ou vários eleitores do PV) que conseguiram dar as cartas. Grande vantagem! A religião, tão poderosa e importante Religião, que se queria fundamental para os nossos valorosos governantes, deixa-nos este grande saldo: enquanto ela virou ferramenta de marketing, suprimiu qualquer discussão minimamente esforçada sobre outra coisa que não ela própria. Afinal, além de promessas numéricas, o que se falou sobre trabalho, saúde e educação, ou até mesmo sobre MST e infraestrutura? E de onde surgiu a ideia de que só é possível ter valores se se tem religião?
Fim da campanha, os carros já sendo desligados, e os programas de governo, prometidos para antes da campanha, são lançados silenciosamente, num momento em que ninguém mais queria ler, já que a grande consequência desses "debates" acima foi que não só os PSDBistas tinham medo do PT, dessa vez também os PTistas (não só os militantes) estavam com medo do "Brasil com Serra". Surpresa, surpresa: tivemos a prévia do que seria o bipartidarismo no Brasil, duas trincheiras de gente com medo que não aturam uma palavra do outro lado e, como todo animal acuado, atacam com pedras aquilo que temem e não entendem.
PS: Um ponto positivo do segundo turno foi ver os "analistas" da BAND argumentando que a Dilma tinha ganho por influência das pesquisas incompetentes e mal feitas que previam 12% de vantagem apenas para ver o resultado final ser exatamente este!
PS: Um ponto positivo do segundo turno foi ver os "analistas" da BAND argumentando que a Dilma tinha ganho por influência das pesquisas incompetentes e mal feitas que previam 12% de vantagem apenas para ver o resultado final ser exatamente este!
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