Acabo de assistir a este filme, velho, parado, silencioso, voltado a uma mulher sem horizontes e ao homem que a conhece (não como numa comédia romântica) no dia em que Hitler visitava a Itália para firmar comum apoio. Chama-se Una giornata particolare, com Sophia Loren (propositalmente enfeiada e envelhecida) e Marcello Mastroianni (também envelhecido e, dizem autoridades maiores, enfeiado). Como o filme é italiano, ainda de 1977, de uma estética bem particular, não o recomendo, pois gostaria que vissem apenas por própria conta e risco: tenho a forte consciência de que, hoje, ele pode agradar bem poucos. Porém achei o filme muito interessante em vários sentidos.
Um dos que me pareceu mais importante é o problema da aclamação popular. O filme trata como dado o nazi-fascismo ser aceito e intimamente defendido por uma parcela absolutamente dominadora da população italiana. Não é que eles digam que absolutamente nenhum italiano era contra, pelo contrário, mas com certeza Mussollni, ou mesmo Hitler, ganhariam uma eleição por esmagadora maioria, na Itália que o filme apresenta.
O que eu acho legal nessa problemática é que ela sempre leva a um parodoxo, do meu ponto de vista. Se a voz do povo não pode ser a voz de Deus, e a voz de um Deus, na política, sempre se revelou a voz de um ditador, como conciliar a defesa de determinados valores fundamentais (contra a massa) sem cair num discurso que mal oculta ser simplesmente a expressão sublimada de interesses bastante restritos de uma classe ou grupo - e como defender a soberania da democracia baseada na vontade popular quando bem se sabe as merdas que um "povo" pode fazer? O surpreendente homem que surge a essa mulher de forma acidental não faz parte do povo? Com certeza não é significativo, não representa uma camada que, mesmo "em outra situação", seria a maioria... Ainda assim é aquele que defende ideais similares (não os mesmos, de forma alguma) que "intelectuais", de esquerda ou direita, dizem defender hoje, só que os grandes grupos de defensores ideológicos de hoje, ainda que incluam intelectuais, continuam parecendo com aqueles que o confrontam no filme.
Isso não é discutido frontalmente pelo filme. Na verdade, a forma quase documental como o filme apresenta esse problema, logo no início, é mais forte que um questionamento ideológico assim explícito, mas ressalvo aqui para que quem se anime a procurar o filme não espere um documentário político. É uma peça introvertida. Nele não há grupos, por assim dizer. Ainda que aparentem um bloco só, inteligentemente se mostra a individualidade daqueles que cruzam a tela para se confundir na massa assanhada da adoração inquestionada. Ou daqueles que descobrem, de relance, que a realidade pode ser mais complicada que "Sim ou Não".
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