Muito já foi dito sobre a importância do esquecimento para a vida, desde o fato de que lembrar de absolutamente todas as informações que assaltam nossos sentidos exigiria um processamento que impossibilitaria todo trabalho de interpretação e imaginação, até a valorização dos momentos de relaxamento como o contra-ponto necessário dos momentos (igualmente saudáveis, se nesse equilíbrio) de stress. No entanto, não costumo ver muita gente levar isso à sociedade e lembrar que, sem o esquecimento, quase nenhuma instituição funcionaria. Em primeiro lugar, nossas experiências ruins rapidamente reduziriam a zero nossa procura por soluções políticas, por médicos ou por serviços de manutenção doméstica como consertos e instalções em geral. A Microsoft teria falido na década de 1980, mas a Apple também não teria resistido a julgamento tão exigente.
Não é apenas que relativizamos nossas experiências (não há relativismo que justifique a fé política, por mais fraca que seja), nem que o trauma ou a necessidade presentes são mais significativas que experiências passadas e argumentativamente um tanto aleatórias, portanto evitáveis (nem que seja por sorte). Mesmo porque nossa capacidade de esquecer a compreensão que adquirimos em determinado momento da vida sobre a miséria e o desespero de talvez bilhões de pessoas no mundo, ou de centenas de milhares de bilhões ao longo da história, é o que permite que vivamos toda a burocracia que é o dia-a-dia, e que fiquemos às vezes felicíssimos porque vamos comer a torta tal enquanto sabemos (e já nos sentimos muito mal com isso) que naquele exato momento pessoas estão literalmente morrendo de fome, e que quando terminarmos a nossa linda e perfeita torta sabe-se lá quantos bebês de colo terão morrido sem provar o leite materno.
Não deveria nos surpreender, portanto, quando testemunhamos mais uma vez palavras serem citadas entre aspas nas maiores mídias, ainda que estejam completamente falseadas, ainda que literalmente não tenham sido ditas. Não deveria ter o sabor de melancólica novidade observarmos jornalistas (que talvez por isso não sejam mais exigidos de ter diploma) tratarem a vida de acordo com o tamanho que cada assunto recebe no jornal, ou da intenção de vendas de sua empresa. Afinal, se uma matéria vai ocupar apenas meia página, ela obviamente não é relevante para ninguém, nem mesmo para quem aquela matéria afeta, ou para quem vive daquele assunto mesmo, para quem depende e se importa com as coisas do mundo que, às vezes, aparecem na mídia, sem fazer o mesmo raciocínio do dono do jornal, que intuitavamente acha que as coisas, na verdade, existem porque estão na folha, e interessam apenas no campo da imprensa, algo diferente e deslocado do mundo. Pelo contrário, o importante do mundo é que ele é o suporte em que vivem pessoas que compram, ou não, o jornal do sujeito.
Talvez acadêmicos e professores de português levem as aspas muito a sério. Talvez sejamos exageradamente literais ao entender que as palavras citadas são a reprodução o mais fidedigna possível do que foi dito ou escrito por aquele que citamos. É óbvio que a previsão de vendas do jornal (feita sem método e cheia de considerações, digamos, pouco científicas e desinteressadas) é muito mais relevante que meras convenções sociais (como o que se entende por citação), ou que as vidas e profissões daqueles que são citados, referidos ou "consultados". E pensar que essa gente é a película que media todos os habitantes do mundo a uma série de conhecimentos cruciais como a política, sem contar, é óbvio, todas as informações que correm o mundo e que utilizamos para fazer uma infinidade de julgamentos sobre o cotidiano, a vida, o futuro e tantas de nossas decisões.
Mas chega, termino por aqui o post: é hora de esquecer de novo.
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