sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Um Não só presta quando indica um Sim

"In order to reject religious faith an atheist, I suppose, must first grasp a little something of what it entails, what he or she is rejecting. (...) To be an anti-filosopher - like Kierkegard, Nietzsche, Adorno, Freud, Wittgenstein, Derrida - you have to reject the orthodox filosophical product of your time for filosophically interesting reasons."

Terry Eagleton, em palestra à Edinburgh University, em março de 2010.

Acredito que assim funcione toda revolta e toda revolução. Essas palavras foram usadas para referir atos de contrariedade e, geralmente, de extrema violência contra uma determinada ordem, mas a derrota de muitas delas, particularmente das recentes (séculos XIX e XX), ou mesmo a simples não chegada de mudanças radicais mágicas, como o fim do mundo no novo milênio ou a Era de Aquário, motivou mais e mais que as pessoas dessem total ênfase ao ato de contrariar ou de queimar e destruir como os sentidos plenos de "revolta" e "revolução", sem que se indicasse que as grandes revoltas, vencedoras ou perdedoras, não promoviam o caos, mas uma nova ordem. Como já a mitologia nos indica: Zeus liderou uma revolta contra um mundo regrado de forma que não o satisfazia e, ganhando, instaurou a ordem do mundo grego, as regras que fundamentavam o cosmos agora que ele mandava e não seu pai, destronado.

O anarquismo, não em sua forma "fumar no campus, deitar na grama, calçar sandalhas e falar mal de burguês", propõe mesmo que uma ordem seja derrubada quando ela promove um abuso injusto, contrário à dignidade de outro ser humano. Os anarquistas (pelo menos os que pensam logicamente) não pregam que uma mãe não deva puxar o braço de seu filho se isso vai impedi-lo de ser atropelado, porque nesse caso a imposição da vontade da mãe sobre a da criança tem fundamentos morais. Seria diferente se a mesma mãe puxasse o braço do filho para impedir que ele fuja de um castigo abusivo e injusto. A quebra da ordem não é um bem em si. Ela pode sê-lo se propõe algo melhor que a mesma ordem.

A Revolução Farroupilha, sendo comemorada ao longo deste mês no Rio Grande do Sul, especialmente do dia 7 ao dia 20 (que marcou o início da revolta), serve em geral para destacar a rebeldia e a coragem (em certos casos) de pessoas que arriscaram ou perderam suas vidas para contrariar um determinado status quo político, mas pouco se fala sobre suas propostas, ou mesmo sobre o fato de que se tinha propostas. Claro, pode-se apelar para a discussão separatista, mas esse exagero também é, em si, uma promoção de uma nova ordem (nunca explicada), além de não contar a história toda. Aprendemos nomes, músicas e vestimentas, ouvimos muito falar de folclore da época (ou construído como da época), mas o governo e as relações econômicas que agradariam aos Farrapos, a NOVA ORDEM que eles pretendiam implantar é absolutamente ignorada pelos gaúchos. Expresões como "pilchado" ou "de mala e cuia" indicam bem que é muito mais a aparência de gaúcho que interessa à auto-imagem do RS que o conteúdo e os motivos da revolta. O que aprendemos na escola, na TV e na família sobre a Revolução Farroupilha é tão superficial quanto bota, bombacha, chimarrão... A aula de História a respeito geralmente fica na escola, junto da análise de orações completivas nominais.

No entanto me parece que é exatamente desse tipo de informação que precisamos. Graças a uma série de coisas que não precisam ser citadas, atualmente ser do contra, ser revoltado, ser desrespeitoso são posturas esteticamente atraentes, ou mesmo "justas" (quando, por exemplo, qualquer crítica a um brasileiro no exterior seria xenofobia da estranja, mesmo que o brasileiro em questão seja um criminoso condenado - ou qualquer outro tipo de confusão entre julgamento e pré-julgamento).

Depois de tanto esforço para se transformar fatos históricos em uma unidade simbólica definidora de identidade cultural, parece-me que faria sentido aproveitar essa fantasia toda para destacar pelo menos uma lição que seria importante para os dias de hoje: a de que esses atos de revolta propunham (mesmo que implicitamente) algo relevante para o mundo que pretendiam mudar. Foi esse contexto (e muita propaganda) que tornou tais atos dignos de serem lembrados. Revolução é mudança, mas isso significa tanto a quebra de uma situação quanto a chegada a algum novo lugar. Ela é, portanto, a ida da ordem ao vácuo; não é o não pelo não; não é a violência pela violência nem pela estética; não é, por exemplo, os esfaqueamentos ou tiroteios que o Acampamento Farroupilha conhece a cada ano. Quando ser gaúcho é ser violento, ser rapper é ser violento, ser aluno é ser violento, ser anarquista é ser violento... tem alguma coisa faltando.

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