Como comentei há uma semana, o assassinato de uma professora na saída de um colégio do meu bairro gerou algumas reações atípicas em comparação com os roubos e latrocínios costumeiros da região. Na verdade, o que comentei foi apenas o início de uma cadeia de resultados curiosos. Tendo ocorrido na sexta-feira, na frente de centenas de pessoas e de uma equipe de TV que filmava qualquer coisa na escola, a tentativa frustrada de assalto não foi incompetente o suficiente para que os policiais prendessem os reconhecidos crimonosos. Primeiro prenderam uma dupla errada de suspeitos, no domingo e na segunda, até que o caminho correto lhes foi apontado e um dos verdadeiros assaltantes praticamente se entregou, apresentando a arma utilizada para matar a professora. Observe-se que os garotos, ambos menores, não foram exatamente fugitivos discretos, tendo tentado assaltar um casal, ainda naquela sexta-feira, e tendo falhado de novo, mas não ocasionando mortes desta vez.
Na segunda-feira, a escola onde ocorrera o fato não abriu, um dia de luto; e uma escola literalmente no outro extremo da cidade fechou as portas indefinidamente. Conforme a diretora, a violência dos alunos estava demais: o consumo de drogas ilícitas era costume diário e generalizado, e poucos alunos não iam para as salas de aula armados.
E precisou uma professora morrer do outro lado da cidade para ela achar que essa violência era excessiva?! Só vamos descobrir que seus alunos comiam merenda estragada quando alguém vomitar em Alvorada?
Já a escola vizinha à que ficou de luto decidiu fazer uma visita prestando seu apoio e seus pêsames, mas deixaram para a tarde em que tinha jogo do Brasil. A escola não tem nenhum professor homem (ou um, a averiguar) e, pelo jeito, nenhuma das moças gosta de futebol. Viram então a possibilidade de se resolver dois problemas de uma só vez: oferecer ajuda logo após a morte da professora poderia ser um pouco mórbido, desagradável; assistir ao jogo com o maridão e os filhos ia ser aquela mesmice de sempre. Seus problemas acabaram: assassinatos geram oportunidades para expressar calor humano e compaixão. Nada melhor que a capacidade de ser altruísta e compadecido aproveitando ao máximo a agenda da semana.
Mas a mais bizarra consequência disso tudo foi a decisão de que uma dupla de policiais ficaria do lado de fora de cada escola nas entradas e saídas dos alunos. O primeiro mérito dessa decisão é cumprir a meta da polícia de chegar sempre tarde demais. Agora eles protegeriam as escolas, já que obviamente nenhum assaltante vai querer cometer os erros bem noticiados daqueles amadores: assaltar numa situação difícil de pegar o carro, abordando a pessoa na saída para uma rua movimentada, com centenas de testemunhas na volta, ou seja, numa saída de alunos da escola. O segundo mérito foi a presença simbólica de não uma, mas duas duplas de policiais na escola em que a tentativa de assalto aconteceu. Onde é menos provável que a burrada se repita, a guarda deve ser dobrada.
Essas duplas de policiais, pior ainda, quebram a estética do bairro. Sabe-se há séculos que o fundamento de nosso senso estético está associado a experiências agradáveis e costumeiras que tivemos nos primeiros anos, então acho que minha reação negativa aos policiais se deve em parte a eu nunca os ver por aqui, nem mesmo quando eu era pequeno e, dizem, o mundo era melhor. Fora essa presença estranha, sua indumentária quebra algumas tradições do bairro. Não usam tênis supercaros. Ora, aqui só se adquire tênis de formas bastante específicas. Ou eles são comprados por preços exorbitantes, exigindo sacrifícios nas compras de coisas bem mais essenciais, ou são roubados, ou ainda são comprados daquelas pessoas que revendem calçados roubados na Rua da Praia e no Terminal Parobé, pertinho da prefeitura. Além disso, os policiais andam sempre calmos e eretos, quando o gingado é a forma correta de se proteger a coluna contra calçadas destruídas e terrenos baldios. Porém o maior pecado é, definitavamente, a ostentação de suas armas na cintura. Ninguém os avisou que, no Jardim Leopoldina, arma é um acessório que vai "disfarçado" dentro da mochila?!
Felizmente, esse insulto estético logo acabou. Nem uma semana se passou do crime e, claro, os policiais já tinham sumido do bairro, deixando todos em paz novamente. Bem, não em paz exatamente.
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