Tenho um amigo animicamente hipersensível. Vê poesia em quase tudo que é positivo, e qualquer um pode lhe apontar poesia naquilo em que ele não notou ainda. Todas as formas de violência lhe parecem totalmente cruéis, de modo que uma crítica de qualquer pessoa a outra parece, em sua descrição, um ato de guerra covarde e assustador.
Pois bem, entramos juntos num ônibus e, quando fomos sentar, ele parou com uma cara um tanto abobalhada e espantada. A guria (de mais ou menos 20 anos) para quem ele olhava notou e estranhou, a que ele reagiu rindo do ridículo da própria cara e comentando (nitidatamente a respeito dela, para ela própria): "Parece um anjo".
Esse meu amigo está no fim da casa dos 30, mas passa tranquilamente por mais de 40, o que poderia ter tornado a frase um tanto deselegante, nojenta ou repulsiva para a guria em questão, caso se ouvisse nela uma cantada ou um eufemismo. Ele tocar no joelho dela (não se abaixou um monte, é que ela se sentara num dos bancos elevados, no fundo do ônibus) poderia ter piorado mais ainda a situação. No entanto, esse cara é tão sincero em suas observações espiritualmente estéticas no dia-a-dia, que o toque passou mesmo o pedido de desculpas que ele pretendia expressar. A frase, sobre parecer um anjo, soou absolutamente honesta e literal. Não era uma variação de bonita, ainda que o implicasse, nem era um comentário sobre o comportamento dela, mesmo que seu jeito denotasse, pelo menos naquele momento, certa paz ensimesmada comumente associada a anjos. Sua jaqueta incrivelmente branca, com o capuz da mesma cor emoldurando o rosto, teve também seu papel, acredito, na impressão que viera a ele.
Viajamos no ônibus até o Centro, algo como meia-hora, no fim do que, quando levantamos, ela espontaneamente lhe deu um tchau e um sorriso.
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