Falando sobre tudo de linguagem que chamar a minha atenção: placas, conversas, citações... Deem uma chance lendo aí embaixo e vão sacar o foco.
quarta-feira, 31 de agosto de 2011
sábado, 27 de agosto de 2011
O valor da ignorância
Para fazer uma analogia no meio de uma conversa um tanto descompromissada, lembrei de um cientista dizendo que as afirmações de OVNIs têm seu fundamento argumentativo na ignorância: "Olha lá! O que é aquilo? Não faço ideia do que seja, só pode ser um alienígena de outra galáxia querendo isso e aquilo!" Ele também ressaltava o aspecto "não identificado" da sigla, concluindo que as opiniões dessas pessoas deveriam terminar no "não faço ideia," em vez de se partir daí para uma "conclusão".
Essa minha amiga é particularmente apegada a duas coisas: ideais alternativas sobre a realidade (formas de se construir o mundo além do racional-metódico-matemático, ou seja, ela é um tanto relativista) e apegar-se a analogias para as discutir em vez de seguir a conversa aproveitando apenas aquilo que se aplica ao verdadeiro assunto. Portanto ela pulou com tudo sobre a minha analogia para afirmar que outras formas de se entender o mundo, no caso, a crendice popular (não usou esse termo) tinha dignidade a ser respeitada. Eu contra-argumentei que a questão não era se havia diferentes formas de se ver o mundo, ou que algumas delas sejam suficientes, interessantes ou bonitas conforme o local em que nos colocamos; o problema apontado pelo físico era que, no momento em que uma forma de conhecimento não científica é afirmada como verdade científica (caso exato da cultura acerca de OVNIs em revistas e diversos grupos) tem-se uma enorme catástrofe de conhecimento.
Agora, devo dizer que essa valorização da minha amiga me parece bem mais comum do que aparenta. A enorme maioria das pessoas que conheço (ela incluída) não acredita em OVNIs. Daí a dizer que essas pessoas ou eu não acreditamos em coisas sem fundamento científico é bem diferente. Como disse, até aí tudo bem, desde que não afirmemos essas posições como verdades práticas absolutas, mas é o que geralmente fazemos. Existem coisas que a ciência não explica, mas a maioria de nossa ignorância poderia ser resolvida por uma boa ciência, dura ou humana. Quando se diz que algo é cultural ou genético, quando se diz que determinados costumes são bons para o cérebro ou para o corpo, quando se afirma uma série de coisas sobre religiões (ou sobre o mundo com base em religiões), todo o mundo fala como se dissesse algo com o mesmo status de verdade que a gravidade.
Como não conseguimos vencer todos os nossos preconceitos, estudar todas as áreas de conhecimento ou atentar para tudo que existe no mundo com o mesmo nível de dedicação, cuidado e sutileza (como a maioria dos seres humanos é capaz de muito pouca sutileza), geralmente aceitamos que existe um grau de ignorância aceitável, desde que a pessoa não tome posições fortes nas áreas que ignora. Existem apenas alguns problemas nessa aceitação: o que não entendemos é a enorme maioria dos aspectos de nossa vida, de fato tomamos posições fortes nas coisas que não entendemos e ninguém é capaz de determinar até onde a ignorância pode ser inofensiva. Quanta política, economia, educação, engenharia, biologia, geografia, história ou o que for podemos não entender sem que nossas decisões baseadas em tal ignorância sejam graves? Acaba-se em geral elencando autoridades midiáticas de nossa preferência, o que pode também ser bastante desastroso.
Há uma discussão muito em voga atualmente que transita por esse problema: quão preconceituoso alguém pode ser sem que isso afete os alvos de tal preconceito? O quanto se pode confiar que uma pessoa preconceituosa vá respeitar a liberdade de pessoas agirem contra suas crenças na mesma medida em que espera que suas crenças preconceituosas sejam respeitadas como liberdade?
O problema, em todos os casos, envolve curiosamente questões estéticas: há tanto um problema de quão bonito se quer que o mundo seja (ou seja, qual o ponto de conforto que nossa ignorância nos garante) e quão bonita é a expressão de uma cultura que entende mal o mundo (ou seja, o quanto devemos valorizar uma cultura, aceitá-la em sua vida e produção, mesmo que saibamos que suas crenças são infundadas). Nada indica que um conhecimento mais profundo do mundo poderá servir também como uma base igualmente confortável quanta nossa posição primeira. Um dos aspectos em que ignorance is bliss. A maioria das pessoas não quer o conhecimento se ele ameaçar um grave caso de pânico ou depressão. Do meu ponto de vista, ignorar o conhecimento por esse medo já é viver em pânico, um que está anestesiado pela auto-afirmação de nossa certeza no que desconfiamos que possa não ser verdade.
Por exemplo, parte das idealizações de Nietzsche a respeito dos gregos foi justamente assumir que eles eram superficiais por opção. Que eles "entenderam" que não havia uma experiência transcendente real, uma existência metafísica que negasse o mundo, de modo que sua religião, cultura e filosofia se posicionavam na parte bela e incrível da existência sem mencionar o extremo vazio que a subjaz. Não havendo nada de transcendente, os gregos "optaram" pelo estético, pela aparência, pela vida como ela se lhes apresentava, em vez de sonhar com um pós-vida maravilhoso e estável ou com deuses puramente perfeitos e imateriais.
A ideia do Nietzsche parece mais absurda se não conferimos o quanto pessoas que mentem para si indicam saber que o fazem, se forçamos um pouco. No mínimo, sabem que não questionam determinadas coisas por medo. Idealizações à parte, existe uma coisa que Nietzsche defendeu e que sempre me pareceu também uma conclusão necessária, algo que indica o problema em tudo isso: é preciso se ir até o ponto de que não há retorno.
Do meu ponto de vista, a ingorância sempre pode ser nociva. O conhecimento carrega consigo uma ética necessária: o constante desenvolvimento do que se sabe. Por mais bonita que nossa fantasia sobre a vida possa ser, e por mais que o esquecimento seja importante para a nossa vida como animais, não consigo aceitar que o desconhecimento seja aceito como um valor com o mesmo peso que o próprio conhecimento - que é o que se está fazendo quando se diz que um grupo pode desenvolver sua explicação para um fenômeno baseado em suas crenças, sem que se busque explicações lógicas para o mesmo fenômeno, e que tal confusão não pode ser questionada. É verdade que as mitologias, que as identidades nacionais ou etnológicas ou que outras construções sobre a vida possam ser agradáveis ou bonitas, mas no fim ainda se está optando pela ignorância. Ainda se está defendendo, noutros casos, que um grupo saiba menos do que aqueles que "valorizam" aquela determinada cultura.
O próprio conhecimento sofre com isso também, pois sua evolução depende de trânsito e de trocas. Todo grupo "aceito" em suas crenças é um grupo que deixa de contribuir. De nada adianta que mais cedo ou mais tarde se conclua que uma anedota perdida lá no meio daquela cultura era superficialmente "verdadeira" (por exemplo, se associar a possibilidade de que a primeira vida na Terra tenha se gerado em poças no barro com o mito de Adão ser formado do barro). Seria como dizer que um esquizofrênico é dono de verdade científica já que a unidade de nossa personalidade é uma ilusão construída cerebralmente.
Não podemos atacar tudo que não sabemos ao mesmo tempo. Mas, mais cedo ou mais tarde, fica gritante demais, para mim, que a valorização de qualquer afirmação sobre a realidade acaba sendo a escolha entre se apoiar o conhecimento ou a ignorância. Até que ponto podemos e devemos acatar ou defender a ignorância só porque ela nos agrada?
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sexta-feira, 26 de agosto de 2011
quinta-feira, 25 de agosto de 2011
Femina vs Zen
Dizem que mulheres em maior número não podem trabalhar juntas, ou em grupos em que elas sejam a maioria. "Muita mulher junto não presta" e suas variantes são repetidas ad nauseam por homens e mulheres. Devo dizer que concordo com essa ideia, apesar de não saber se homens funcionam bem em grupos dominados por eles já que só trabalhei uma vez sem que as mulheres fossem a maioria e, mesmo assim, eram metade do pessoal. É de se confirmar também que essa ideia de que mulheres em grupo são um problema é praticamente uma afirmação identitária para muitas. Por mais que eu resista a achar alguma qualidade essencialmente feminina ou masculina quando o assunto é psicologia, este aqui é um grande concorrente:
Quando o assunto é confronto no local de trabalho, falta uma habilidade às mulheres: parar relação. Essa é a habilidade de abrir mão do confronto e se preocupar com o que interesse para o trabalho em si, sem ressentimento, sem picuinha, sem maledicência, sem raiva, sem ataque nem defesa, ou seja, totalmente diferente das opções "fingir relação", "cortar relação" (lotada de ressentimento) ou "virar inimiga".
Quando acontece algum problema grave com alguém, particularmente se se trata de algo negativo feito por outra mulher com quem trabalha, em geral a atingida tende a se magoar profundamente. Digo "magoar" por falta de palavra melhor, a questão é que o ataque é sentido profundamente. Por algum motivo que me escapa, uma ou, às vezes, as duas resolvem fingir que as coisas estão melhores do que estão. Desde então uma série de pequenas coisas do dia-a-dia, particularmente coisas que os homens na volta não observam, acumulam-se até se atingir um estágio terminal. Esse nível (também ausente na psiquê masculina) chama-se "pegar nojo".
Esse "pegar nojo" alimenta-se de tudo que pode e, quando estoura, provoca uma reação em cadeia de ataques e maledicências que forçam as duas a agirem, não importa quantas vezes digam que não vão fazer mais nada a respeito, que a coisa já encheu, que não adianta mais nada. O "pegar nojo" não aceita inação, nem que a ação seja simplesmente remoer na mente uma incomodação diária.
Há um momento, no entanto, de abandonar a discussão, de retomar o foco do emprego, a finalidade da atividade, não a relação com pessoas na volta. Esse momento é o nemesis do "pegar nojo", e ele faz de tudo para evitar que a mulher aceite profunda e sinceramente que é hora de simplesmente parar tudo. Chega de picuinha.
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terça-feira, 23 de agosto de 2011
Democracia inconstitucional
De notícia do IG:
“Agora que vou me esforçar mais ainda para aprovar o projeto”. Esta foi a conclusão do deputado federal Ronaldo Caiado (DEM) após saber que especialistas em Direito da Criança e do Adolescente consideram inconstitucional obrigar escolas a colocar na porta da unidade a nota que obtiveram no Índice da Educação Básica (Ideb). “Tem que haver um mecanismo de tornar explícita a qualidade da escola”, defende.
Reportagem do iG mostra que a medida fere a Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Segundo a professora da Faculdade Nacional de Direito da UFRJ, Glória Regina Lima, o vice-presidente da Comissão Especial da Criança e do Adolescente do Conselho Federal da OAB, Ariel de Castro Alves, e o membro da Conselho Nacional de Direitos da Criança e do Adolescente, Carlos Nicodemos a medida expõe os alunos a vexame e constrangimento.
Bom saber que Ronaldo Caiado esteja superanimado por forçar medida considerada inconstitucional e contrária ao Estatuto da Criança. Esse gosto incontido por ilegalidade é vontade de se aclimatar melhor no governo ou já preparação para concorrer na próxima eleição?
segunda-feira, 22 de agosto de 2011
Liverpool também é aqui
Eu costumo dizer que o que me chama a atenção nas diferentes culturas são suas proximidades, não suas distâncias, mas poucos filmes simbolizam tão bem o quanto somos parecidos por aí como Nowhere Boy (O Garoto de Liverpool). Não se assutem com a fala "Is nowhere full of geniuses, sir? Because then I probably do belong there". A fala pode ser útil para vender o filme, mas o vende de forma errada: este não é um filme de Mariah Carey; apesar do jovem pobre se formando na música, o filme não tem uma cena final com o primeiro grande show nem um texto final a respeito do sucesso da carreira. As cenas de banda no trailer são dos Quarrymen, não dos Beatles.
O filme é na verdade sobre um jovem que se sente duplamente abandonado, uma relação complicada disso com seu temperamento e a gradativa maturação que o coloca em choque com um comportamento que, mesmo sofrendo ele com o abandono, é num certo sentido sempre o de um mal agradecido. O que achei curioso é que reconheço ponto por ponto no comportamento dele ao longo do filme o gênio de outros jovens que viveram esse tipo de duplo abandono, em que a pessoa pode sentir que, num certo sentido, ninguém o quer. O único detalhe é que o filme fala sobre John Lennon na década de 1950 na Inglaterra, e eu só conheci pessoas reagindo dessa forma nesses primeiros anos do século XXI, no Brasil. São essas proximidades que me parecem relevantes quando comparamos diferentes culturas. Mude-se o figurino e as músicas, o filme poderia se passar em Porto Alegre.
sábado, 20 de agosto de 2011
Love quase censurado
Que susto levo hoje ao ligar na MTV (depois de... quantas décadas?) e ouvir um aviso de censura de 10 anos antes de tocar um clipe. E logo qual? Crazy Little Thing Called Love, do Queen! Como era de se suspeitar, o aviso de censura entrou no momento errado, sendo repetido logo depois do clipe para o programa que viria em seguida. Mesmo sendo essa a suspeita óbvia, nunca se sabe o quanto as coisas podem mudar numa emissora, certo? Ainda mais numa abandonada como a última a se tornar insuportável. De qualquer forma, resolvi postar o clipe erroneamente censurado. Aí está, para quem quiser recordar.
sexta-feira, 19 de agosto de 2011
Elitismo por maioria de votos
A maioria das pessoas acha que tudo deve ser feito por alguém que entende do problema. Se alguém vai resolver qualquer coisa, tem de ser alguém que entende. Por outro lado, dizer-se, em sentido mais amplo, que quem sabe das coisas deveria decidir sem que quem não sabe se intrometa soa, geralmente, como enorme manifestação de elitismo.
É possível contornar retoricamente a contradição entre essas duas posturas, mas no fim esses desvios não me parecem mais do que só retóricos mesmo. Acho que há uma contradição fundamental entre se achar que pessoas têm mais talento, treino, competência ou habilidade que outras e se afirmar ao mesmo tempo que as decisões específicas de cada área não deveriam ser deixadas na mão de quem sabe e pode, no sentido de que deveria haver sempre uma janela para qualquer um meter o bedelho, só porque quer participar. Convenhamos, essa política faz algum sentido quando impostas a crianças brincando, pela pregação de certa moral que adultos buscam realizar, mas não é a melhor forma de se ter bons resultados. Talvez determinar que alguém NÃO poderá interferir em certa decisão estratégica seja uma forma de autoritarismo, mas, num sentido tão amplo, é adequado falar em autoritarismo, mesmo que, sim, fechar totalmente a porta a qualquer um de fora do clube é receita para o desastre. No caso de esse autoritarismo se basear exatamente em nível de habilidade, ou seja, dizer-se que só os melhores podem decidir sobre um problema, diz-se logo que isso é elitismo. Agora, isso é um problema? "Elitismo" é ruim sempre?
Talvez seja possível um meio-termo, para aplacar os ânimos. Imaginem um grupo sendo formado para decidir a respeito de alguma reforma. Todos são chamados. Um monte de gente não aparece. Ok. Confere-se se as pessoas foram mesmo informadas, se não puderam ir e, no fim, se determina que quem não quis aparecer simplesmente se retirou da posição de mando. Depois se determina quem ali dentro QUER participar de tal decisão. Não é porque a pessoa é afetada por determinada coisa que ela irá querer fazer parte dessa decisão que a afeta. É claro que, socialmente, isso pode ser um problema, então poderia existir um outro grupo responsável por conscientização participativa, mas isso não seria responsabilidade do próprio grupo que quer decidir os problemas. Seria uma força-tarefa paralela.
Muito bem, tendo-se determinado quem é o grupo que quer participar, define-se então quem tem habilidade e conhecimento adequado. ESSE grupo, que já não inclui mais todos os interessados, decide quem são os melhores ali, ou que habilidades são mais importantes. Isso pode ser até por voto. O mesmo grupo poderia também excluir pelo menos um ou dois considerados pelo grupo como pessoas aquém das necessidades para o trabalho. De preferência, todas essas decisões seriam feitas abertamente, nenhum encontro de grupos seria de portas fechadas, para que a politicagem humana ficasse contida a um mínimo.
O grupo ataca o problema e mostra o resultado. Desde formado, nenhuma decisão (que não extrapole certos limites estabelecidos pelo grupo de interessados) realizada depois disso precisaria se submeter ao julgamento dos leigos. Quem sabe faz. O resto, se quer participar, que aprenda. Ser "humano", "digno" ou "igual" não ajudam quando o assunto é trabalhar com alguma eficiência. Precisamos conseguir deixar o talento e a habilidade funcionarem com certa autonomia sem transformar qualquer relação em Auschwitz ou Woodstock.
É claro que eu não estou propondo que isso resolveria qualquer relação, como o governo de um país, mas existiriam coisas desse sistema que poderiam ensinar muito ao nossos "representantes profissionais". O grande problema, nesse caso, é a enorme distância entre quem decide e o problema.
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quarta-feira, 17 de agosto de 2011
Projeções que cabem num vampiro
- Oh, meu amor, vocè... é tão diferente dos garotos da escola! |
Eu nunca me atentei muito à literatura vampiresca recente, então talvez eu esteja dizendo aqui algo batido demais, mas, enfim, me ocorreu agora e há séculos procrastino outros posts. Então este vem como está.
Para fazer uma redação nos moldes em que pedi, uma aluna resolveu praticamente escrever sua versão dos atuais dramas adolescentes com vampiros. Ao que me parece, pelo menos, ela não estava copiando nenhuma das séries famosas, mas percorria, claro, todos os clichês adequados. Pois bem, lendo sua história (que se desenvolveu muitas páginas além da narrativa dos colegas, como seria de se esperar em tal empreitada), pareceu-me vislumbrar um motivo curioso a mais para que essas séries tenham feito sucesso.
Não é só que o herói e a heroína são "diferentes" e "incompreendidos", nem só o revival do amor platônico (muito útil para a porcentagem de leitores virgens), nem que sua "nobre" luta por ideais pacifistas possa estourar em manifestações de força absurda, que indicam que sua "diferença" é tanto uma força (ironicamente um valor, então) quanto a chave de uma postura ética (ou seja, que eles são muito, mas muito melhores do que os babacas da escola). Os enredos vampirescos invariavelmente caem em melodramáticas cenas de dúvidas e erros, em que os "demônios internos" (não consigo me referir a quase nada psicológico desses personagens sem colocar aspas, desculpem-me) e as confusões adolescentes fazem com que troquem os pés pelas mãos em proporções épicas. Personagens mais velhos (o vampiro mais experiente, o adulto...) tentam ajudar as heroínas (é algo particular com elas, creio), mas isso não as impede de errar por rebeldia mal direcionada.
Esse traço francamente me parece indicar que um elemento importante do sucesso desses esquemas narrativos é que o leitor-adolescente saiba ou suspeite de alguma forma que está errado em grande parte de suas próprias reclamações. Parte da masturbação mental dessas séries recentes de vampiros (suponho que as de anjos vão por aí também) é ver a adolescente perdida ser revoltada sem causa e, em especial, ingrata - para ser, é claro, relativamente redimida, mas não demais porque tira a graça de ser "culpada", ou seja, "especial". Quanto será que demora para a projeção na literatura provocar consciência na vida real?
terça-feira, 16 de agosto de 2011
sábado, 13 de agosto de 2011
Preconceito com racismo
"Violência gera violência", pelo menos se ninguém para e pensa. |
Eu acho sempre interessante quando ouço alguém dizendo que algo foi um "racismo ao contrário". Se racismo é o preconceito contra alguém com base em sua "raça", talvez a expressão pudesse querer dizer "tratamento igualitário", ou indicar que alguém reforçou uma ajuda, "compensando" por um racismo anterior, mais ou menos como a lógica de cotas raciais, né? Mas a expressão na verdade é usada para se referir a racismo contra loiros de olhos claros, ou, em casos mais genéricos, simplesmente contra "brancos".
Ou seja, o termo racismo realmente ficou tão associado ao preconceito contra negros que as outras raças não sofrem racismo propriamente, podem apenas sofrer o genérico "preconceito" (quando recebem o direito de "sofrer" algo). Racismo mesmo, só contra negros. O que faz pensar se as pessoas não consideram que existe apenas uma "raça", a negra; os outros seriam mais ou menos marcados por nacionalidade, classe ou cultura, como os "ricos", os "estrangeiros", os "muçulmanos"... Enquanto o racismo é um termo preciso, resta aos outros o termo amplo, preconceito. É como se "racismo" fosse informativo, como uma idade definida, "29", digamos, e aos outros restassem termos com a imprecisão de "acima dos 30".
Mais do que isso, um inglês tendo preconceito com um brasileiro "branco" não parece evocar a expressão "racismo ao contrário" (ou suas parentes, "racismo às avessas", "racismo invertido" etc.). Ela é particularmente usada quando o preconceituoso em questão é um negro. Ou seja, o termo também aplica uma certa noção de movimento: racismo é o preconceito que sai do branco e atinge o negro, o "ao contrário" é um tipo estranho de racismo que faz o movimento de volta. Por essa via, o termo deixa claro que reconhece o racismo que chamaremos aqui de clássico. O invertido é a modalidade que picou de volta para o grupo que tradicionalmente seria o ofensor.
Como nosso uso de linguagem é simplificadamente instrumental, ou seja, os conceitos nos interessam em geral como ferramentas simples para o dia-a-dia, não muito como conceitos mesmo, com profundidade, nuances e história, é compreensível que a maioria das pessoas os transforme em cunhagens simplórias, em que rapidademente (em menos de uma geração de politicamente correto) um termo muito usado já comece a perder seu traço etimológico, ainda que vindo de uma palavra que também segue em uso. O que acho bem menos compreensível é que pessoas que trabalham com esses termos, que vivem das ideias e das discussões relacionadas, para quem o problema do racismo não é nem alheio nem puramente um elemento prático do cotidiano, façam essas confusões.
Da mesma forma, o senso comum explica muita confusão ativa, incluindo que algumas pessoas não entendam que devem buscar não ter preconceitos com loiros assim como buscam não ter com negros. No entanto, esse senso comum não pode justificar nem o racismo clássico nem o "invertido" em profissionais do governo que trabalham com programas de "respeito à diversidade" e assemelhados. Por exemplo, que não aceitem uma loira coordenando as atividades dessa área, ou que o façam, mas com desrespeito e estranhamento, é um dado absolutamente preocupante. E não me refiro a uma situação ambígua, aberta a mal entendidos, em que o desrespeito profissional possa apenas ter parecido tocar na "cor"; falo dos casos em que o fenótipo é explicitamente referido.
O respeito à diferença que não se livra de revanchismo alucinatório preocupa tanto quanto a realidade persistente do racismo, porque indica quão simploriamente também essa campanha é levada na organização infinitamente emburrecente de planos de governo voltados à educação em sentido amplo. Só para reforçar, eu realmente acho que esse tipo de campanha é necessária, mas também acho que nenhum governo brasileiro parece ter entendido ainda como fazê-las. Pelo que tenho notícia, alguns programas de valorização da "cultura negra" funcionam, no entanto não se parece ter entendido como se conseguir os mesmos resultados quando o assunto central não é o valor de um ou de outro, mas sim respeito mútuo, o que pode ser implicado nos casos de valorização de determinada cultura, mas não é a mesma coisa. Bem como, por motivos óbvios, preconceitos abundam facilmente como efeito colateral de programas que buscam simplesmente valorizar uma cultura, especialmente por haver muitas vezes um traço localista nessas atividades. Parece fazer parte de nosso instinto entender que algo ser bom é igual a isso ser superior a outras coisas, de modo que essa questão sempre precisa ser explicitamente trabalhada para que tiros não saiam pela culatra. A maioria desses mal entendidos na prática não parece provocar muita violência, mas isso é suficiente? Que não haja "muito" preconceito contra o outro? (Infelizmente me parece necessário indicar aqui que não estou igualando as diferentes formas ou intensidades de preconceito, nem indicando que deveria haver um Dia do Branco, logo depois do Dia do Hétero, ok?)
Talvez seja tarde para espalhar que "racismo" era um termo potencialmente capaz de referir qualquer preconceito por cor de pele ou traço fenotípico, mas nunca me parece que seja tarde para que se peça profundidade teórica de pessoas que profissionalmente lidam com determinados conceitos. Se a própria profissão de alguém implica o valor de um conceito, então, como ser educador de "políticas públicas", o que o tal senso comum está fazendo no próprio comportamento dessa pessoa?
Parece que esse sujeito sabe fazer campanha de respeito mútuo com alguma eficiência. Mas seus alcances fizeram menos sucesso que sua carreira para modelo, em estampas de camisetas. |
terça-feira, 9 de agosto de 2011
"Igualdade"
"A igualdade que pais e filhos eventualmente têm como cidadãos não pode ser transferida para o seio da instituição familiar, sob pena de os pais não cumprirem com suas responsabilidades. Analogamente, a igualdade do plano político democrático não pode ser transportada automaticamente para a escola, sob pena de esta se furtar a cumprir seus papeis fundamentais, inclusive com resultados eventualmente contrários aos ideais professados de construção de autonomia e cidadania."
José Sérgio F. de Carvalho
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Fluidez e confusão de uma identidade internética
Quando comecei este blog, estava, se não me engano, ligado apenas ao Orkut, apesar de a média de meus amigos já ter migrado para Facebook e Twitter. Na época em que entrei no Orkut, ele era um tanto restrito a nerds, pelo menos por aqui, então não vi grande mal em colocar foto minha mesmo e muitas informações a meu respeito. Convidado por grande amiga minha da faculdade, lembro que preenchi meu perfil conversando com ela por telefone, o que me motivou a ser detalhista e completo.
No entanto, a passagem para o blog foi diferente. Este nasceu quando vivia bastante isolado, sem ninguém com quem conversar (cotidianamente e ao vivo). Foi, ao mesmo tempo, uma forma de extravazar deboches, particularmente sobre jornais e política, de preferência ambos ao mesmo tempo. Além disso, tinha contato grande ainda com o mundo acadêmico, então estava sempre vendo bizarrices de diferentes ideologias e "escolas" teóricas, bem como ouvia uma ideia ou outra de gente da graduação, ou via seus cartazes "engajados", enfim, estava cercado de material linguístico do qual rir.
Exatamente pelo contato com essa gente e por estar querendo desabafar, criei um perfil ligado a meu apelido para os amigos da faculdade, mas com a mínima relação com meus perfis virtuais (Lattes e Orkut). Tinha um cuidado leve para não nomear lugares, eventos ou pessoas (o que em geral ainda sigo), a fim de não prejudicar a imagem de ninguém por nenhum acidente. Estava, portanto, mantendo um certo anonimato.
Infelizmente, a Internet em geral e o Google em particular mudaram muito. Conforme eles foram mudando, a posição relativa de todos nós no mundo virtual foi sofrendo suas consequências. O Orkut, mais visitado e, depois, ameaçado gravemente pelo Facebook, foi conquistando público de outro tipo e buscando se abrir mais, ser menos restrito com a questão da criação de perfis... Enfim, acabou ligado por via expressa a todas as páginas do Google, o que implicou o Blogger. Restringi minha exposição no Orkut drasticamente, mas entrei no Facebook (mesmo que até hoje não tenha me dado o trabalho de colocar uma foto decente). Quando entrei no Twitter, foi em ligação com o blog, de modo que tive uma "aversão" a abrir essa conta para gente que não me conhece pelo Retórico ou pela faculdade, o que exclui o pessoal do Facebook.
Ou seja, a situação estava confusa e insatisfatória. Agora, ter aprofundado meu uso do Google acabou (quase) conectando este perfil a pessoas com quem trabalho, caminho seguro para alunos, de modo que posso ter de fazer uma reforma geral na baderna e não sei por onde começar. Mesmo porque, se a galera tiver mesmo contato com este blog, vou acabar criando outro perfil para um blog insuspeito, já que será novamente um lugar ruim para desabafar. Talvez seja hora de ter uma fachada ampla (muitos sites) para poder ter um (novo) cantinho discreto na Internet. A sede de exposição geral e a sede das redes de abocanhar esse público tem tirado um pouco a graça de só escrever um pouco sobre tudo e sobre nada, sem ambição.
domingo, 7 de agosto de 2011
Honestidade transparente
Tenho um amigo animicamente hipersensível. Vê poesia em quase tudo que é positivo, e qualquer um pode lhe apontar poesia naquilo em que ele não notou ainda. Todas as formas de violência lhe parecem totalmente cruéis, de modo que uma crítica de qualquer pessoa a outra parece, em sua descrição, um ato de guerra covarde e assustador.
Pois bem, entramos juntos num ônibus e, quando fomos sentar, ele parou com uma cara um tanto abobalhada e espantada. A guria (de mais ou menos 20 anos) para quem ele olhava notou e estranhou, a que ele reagiu rindo do ridículo da própria cara e comentando (nitidatamente a respeito dela, para ela própria): "Parece um anjo".
Esse meu amigo está no fim da casa dos 30, mas passa tranquilamente por mais de 40, o que poderia ter tornado a frase um tanto deselegante, nojenta ou repulsiva para a guria em questão, caso se ouvisse nela uma cantada ou um eufemismo. Ele tocar no joelho dela (não se abaixou um monte, é que ela se sentara num dos bancos elevados, no fundo do ônibus) poderia ter piorado mais ainda a situação. No entanto, esse cara é tão sincero em suas observações espiritualmente estéticas no dia-a-dia, que o toque passou mesmo o pedido de desculpas que ele pretendia expressar. A frase, sobre parecer um anjo, soou absolutamente honesta e literal. Não era uma variação de bonita, ainda que o implicasse, nem era um comentário sobre o comportamento dela, mesmo que seu jeito denotasse, pelo menos naquele momento, certa paz ensimesmada comumente associada a anjos. Sua jaqueta incrivelmente branca, com o capuz da mesma cor emoldurando o rosto, teve também seu papel, acredito, na impressão que viera a ele.
Viajamos no ônibus até o Centro, algo como meia-hora, no fim do que, quando levantamos, ela espontaneamente lhe deu um tchau e um sorriso.
sexta-feira, 5 de agosto de 2011
Uma rapidinha com os maias
Na primeira vez em que a mulher em pé, posicionada na minha diagonal, mencionou o calendário maia para seu colega (sentado bem na minha frente, num ônibus), eu ainda consegui voltar a me concentrar no meu livro. Meus interesses de diversão ofuscaram o papo, para minha sorte.
Infelizmente, o assento do meu lado vagou e a mulher sentou bem ali, ainda conversando com o colega, que ficou meio de lado, meio de costas e deu ouvidos a mais muitas besteiras que vieram. Sem concentração possível (graças ao volume do blá-blá-blá), larguei o livro e procurei algo muito interessante na noite que caía ou nas luzes dos carros e postes, mas minha capacidade de isolar sons vizinhos deixa muito a desejar. Foi então que ouvi a maior concentração de asneiras que já chegou ao meu ouvido desde que a moda maia se estabeleceu.
Pode parecer praticamente impossível, mas eu tinha conseguido me isolar em grande parte desse new-new age até o momento. Sabia que havia um calendário resgatado de uma população (cujo pó deve muito se revirar na tumba, ou onde for que colocavam seus mortos para ritos funerários), que o "fim do mundo" viria em 2012, que havia um filme com esse nome e que o tal "fim" podia, como sempre, ser interpretado "metaforicamente", para que gente envergonhada de suas crendices ou ainda em processo de ceticização tentasse racionalizar seus medos de uma forma mais neutra.
A mulher do meu lado até tentava mediar o que dizia com uns "não que eu acredite, mas também não desacredito" e, baseada nas previsões para 2012 (em conjunto com certas noções astronômicas citadas do Castelo Ratimbum), discutia investimentos financeiros, política internacional e o futuro do Brasil. Foi então que largou a pérola mais simbólica para mim: o calendário maia, segundo a fulana, prevê inclusive uma guerra mundial até a última gota de petróleo, no que só poderiam estar falando do... Brasil!
Vim contar, desabafar, mas não tenho como comentar esse assunto. Sério, eu não tenho palavras para discutir tanta bobagem junta. Só o que posso dizer é que ela até sujou o sincretismo para mim, algo que em geral prezo muito. Eu tenho uma imagem um tanto libertária e romântica do sincretismo, como uma religiosidade com muito mais vantagens, por envolver pouco ou nenhum nível de institucionalização. No entanto, tenho ouvido e lido mais e mais sobre algumas instituições que se apoderam dele para o bom e velho lucro. Além de algumas igrejas evangélicas, que incluem rituais chocantes mesmo para outras igrejas também evangélicas, essa mulher aí participa de um grupo espírita que misturou um pouco de maia no seu discurso.
Pobre sincretismo, o que já foi um espírito-religioso-moleque, agora é mais e mais decepção.
quinta-feira, 4 de agosto de 2011
Pronta para o Acordo Ortográfico
Professora - Como é que se escreve Kafka?
Aluna - Com K.
Professora - Isso, com K!
Aluna - Eu acertei! Não acredito. Eu sempre digo que é com K e tudo é com C. Mas dessa vez eu disse e era! É com K! Acertei!
Aluna - Com K.
Professora - Isso, com K!
Aluna - Eu acertei! Não acredito. Eu sempre digo que é com K e tudo é com C. Mas dessa vez eu disse e era! É com K! Acertei!
segunda-feira, 1 de agosto de 2011
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