Encontrei hoje uma amiga que foi demitida ontem. Ela estava, é óbvio, feliz e aliviada. A obviedade nasce do fato de ela ser uma professora e das loucas idiossincrasias que caracterizam a profissão.
Falo apenas conforme a minha experiência, mas parece que um professor raramente é demitido. Crimes contra os direitos humanos ou ineficácia pedagógica quase nunca afetam a carreira. Professores, até onde sei, no máximo ouvem uma advertência caso tenham cometido algum dos dois ad nauseam. Conheço apenas dois pecados que podem levar à demissão.
No caso do ensino público, o professor não pode querer ser respeitado. Não muito! Querer que todos os seus direitos sejam respeitados conforme a lei, então... demissão ou escanteio na certa. Conhecia um professor, por exemplo, que perdeu todas as turmas que tinha porque insistia em exigir profissionalismo da diretora. A fulana, em resposta, arranjou os horários sem a matéria dele! Apenas a ameaça de colocar a diretora na justiça fez com que ela arrumasse os horários para que ele pudesse dar suas aulas. Discordâncias políticas, de eleição da direção a preferências de partido, também podem causar certos problemas. O perigo, nesse caso, não vem dos educandos, mas dos chefes, sejam a diretoria, a Secretaria ou o Ministério da Educação, ou ainda o serviço de orientação pedagógica (refiro-me apenas ao perigo de demissão, pois os alunos, obviamente, seguem ameaçando fisicamente os professores tanto no ensino particular quanto - muito mais - no público).
O ensino particular acresce a essa ameaça o perigo representado por determinados alunos, que devem ser agradados de imediato (ou em curto tempo, se ficarem na dúvida no início da relação). Apelem à verdade ou à difamação, deem razões cabíveis ou não, os pais desses alunos podem fazer com que a instituição, seja creche, escola ou universidade, demita o professor. Parece-me que as instituições particulares tentam reforçar a camaradagem e o apoio mútuo entre os profissionais para poder ter um corpo docente formado ao longo da maioria do ano, uma postura que realmente desestimula os alunos a apelarem a reações drásticas, mas também é um apoio frágil, uma medida que tenta demover pedidos de demissão, mas que não impede que, no aperto, o professor seja pintado como grande vilão isolado, para o que a escola dá um jeito de o aproveitar como bode expiatório de um ou dois pecadinhos menores (afinal, ele já não está levando um pecadão?!).
Tanto no ensino particular quanto no público, portanto, o professor é demitido quando quer fazer seu trabalho direito. Melhor dizendo, há uma negociação (não-verbal) de início, e o professor deve fazer bem seu dever, mas nunca bem demais. Professor exigente, que quer que os alunos aprendam de verdade, tem chances demais de deixar um aluno desconfortável e cavar uma demissão (ou uma ameaça de morte). E ai de quem pedir, numa instituição particular, que o aluno re-escreva trabalho copiado da internet! Da mesma forma, professor que quer ser respeitado até o último parágrafo do último artigo da CLT, agindo de acordo com cada palavra da LDB. O desgaste é ainda maior se particular e público se cruzam, nos estranhos contratos da educação atual.
No caso de a crise vir do topo hierárquico, o desgaste se arrasta por bastante tempo, enquanto quem manda tenta convencer seu subordinado a calar a boca e aceitar o que lhe for jogado em cima. Quando isso não resolve, e o caso extremo da demissão sai, assim como no caso da incomodação com alunos, o professor acaba se sentindo aliviado. Geralmente tudo isso ocorre não com qualquer desrespeito, mas com um extremo, o que faz com que ser demitido dê até orgulho: é o índice de que aquele professor não aceita que se rebaixe o seu trabalho e o de todos os professores ao famigerado "sacerdócio da educação" que tanto já xinguei aqui no blog. E é por isso que minha amiga hoje estava aliviada e alegre, algumas demissões são de se colocar, com orgulho, no currículo.
Um comentário:
muito interessante! Há o caso do professor que é forçado a pedir para sair depois que o seu curriculo ja serviu para somar frente ao MEC. Ja vivi isso e digo que é melhor estar fora a se sentir culpado em jogar no mercado pessoas que não deveriam e nem apresentam condiçoes para ingressar nas IES. Mas como pagar parece ser o bastante, não resta muito a fazer. É lamentavel.
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