Na semana passada eu passei por uma das experiências mais simbólicas da minha vida, de um tipo que confirmou minha visão de mundo de forma curiosa e particular. Devo dizer que odeio quando isso acontece, quando descubro que estou certo. Sei que tendemos a gostar de quando confirmamos nossas opiniões pelos fatos, a posteriori. Sentimos que somos muito espertos, em geral. Isso é verdade para mim também, em muitas áreas, mas particularmente ruim quando é minha filosofia de vida que se confirma.
Nesse caso, eu pago o preço de ser tão pessimista. Devido ao meu pessimismo, minha visão de mundo se confirmar significa, necessariamente, que algo ruim é comprovado.
No caso, eu fui a um posto de saúde pedir a vacina contra gripe H1N1. Tinha evitado ir por tanto tempo porque eu tenho apenas uma característica de risco (doença respiratória crônica) e nenhuma pessoa em meus círculos estava nem com suspeita da gripe. Sei que o status quo é pular em qualquer oportunidade de se identificar com o proverbial Outro, mas às vezes devemos nos identificar com o menos proverbial Mesmo. Por isso, em vez de aproveitar a oportunidade de me reconhecer como de um grupo de risco, resolvi deixar a vacina para crianças, idosos, grávidas etc., simplesmente seguindo com minha vida.
No entanto, na semana passada um aluno da minha escola foi diagnosticado com a doença. Achei que era hora de parar de brincar com a coisa e ir lá me prevenir, além de me defender de espalhar o vírus, caso o estivesse já carregando de qualquer forma, assim potencialmente espalhando para entes queridos e alunos. Como as mortes pela gripe têm aumentado, achei óbvio que a campanha ainda seguiria, pelo menos, por um tempo durante o inverno.
Eis que chego ao posto de saúde e pergunto onde poderia tomar a vacina, nem entrando no mérito ainda se seria aceito para a inoculação ou não. A resposta do senhor do balcão de informações: "Não temos mais, só no ano que vem".
Achei que tinha ouvido mal e perguntei de novo: "Ano que vem?" Resposta: "Sim, o governo já cumpriu a meta".
Essa frase me soou poderosíssima. Não ouvi apenas essa resposta, mas muitas outras ao mesmo tempo, como "o governo está satisfeito com as mortes evitadas e não se preocupa com as 'poucas' recentes e por vir"; "o governo está tranquilo com quem salvou e agora vai mostrar o número de mortos com orgulho de quem impediu catástrofe realmente significativa"; e assim por diante.
Ao me dar essa resposta, o sujeito me apontou a carta da prefeitura falando a respeito. Li nela, por cima, os números orgulhosos de quantas pessoas foram vacinadas, sem entrar em nenhum mérito comparativo com outros anos ou com o número de mortos. A carta em nada melhorou o efeito daquela resposta para mim.
Além de professores não serem considerados grupo de risco, o que já me soava bizarro já que lidam diária e intimamente com diversos grupos de risco, parecia que o governo queria confirmar que não se importava em nada com pessoas como eu. Em sua tática de combate à gripe, eu sou desimportante.
Minha vida não é estratégica para ele. Eu já suspeitava.
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