segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Rio Grande do Sul e a imposição de uma pátria brasileira

Meu desgosto com símbolos pátrios, como o hino, em geral pode ser mantido de forma muito discreta, já que raras vezes esperam de mim qualquer manifestação nessa área. Para minha sorte, no ano passado, minha escola passou meio batida pelas datas comemorativas de setembro, com exceção, é claro, do que diz respeito à Revolução Farroupilha, antípoda amiga das celebrações da nação. 

Este ano, no entanto, não me permitiram a mesma sorte. E uma das piores partes de se ser professor, como acho que já mencionei, é termos de limitar o quanto de nosso desrespeito a determinadas tradições se manifesta no ambiente escolar. É importante, no mínimo, deixar que os alunos escolham ser fiéis aos símbolos civis compartilhados, se acharem sentido nisso. 

Estamos "hasteando a bandeira" (não há corda), ouvindo/cantando o hino e perdendo tempo de aula com o desconforto geral dos alunos de não quererem ficar quietos e expostos no pátio, indecisos entre cantar, fazer cara de nojo e conversar, podendo ter a atenção chamada por pessoas de tão alta hierarquia quanto a diretora. Lembrando de meu tempo de escola, não poderia compreendê-los melhor...

As celebrações do Brasil me parecem ainda piores pelo contraste com as comemorações farrapas, exatamente no mesmo mês e começando sempre quando as arrumações para a festa nacional também são iniciadas. A diferença, é claro, é que as comemorações farroupilhas duram semanas a mais, enquanto o Brasil é semicomemorado por uma semana apenas, e olhe lá.

Essa comparação me parece deixar a festa pátria ainda mais irritante exatamente por ficar mais patente como as pessoas se forçam, desconfortavelmente, a tentar respeitar ou elogiar o Brasil, pelo menos aqueles que dão bola para essas coisas. Ou seja, até quem acha que deve, não sabe bem como. A festa é tão esquizofrênica com a vida real que não há qualquer proximidade ou naturalidade que sirva de manifestação para um suposto respeito pátrio. Em contraposição, nosso bairrismo é tão natural que pode ser idolatrado, respeitado, debochado ou ignorado, e tudo isso funciona muito bem junto. A própria possibilidade de fazer humor de um "orgulho gaúcho" indica, a meu ver, o quanto a valorização regional é algo que faz sentido, que tem qualquer proximidade com nosso cotidiano, que nos permite fazer parte por livre e espontânea vontade. A solenidade é sincera, ou pode ser ignorada, um sorriso de canto pode ser uma resposta tão adequada às festas farroupilhas quanto os extremos de se cantar o hino de Grêmio ou Inter no lugar do Hino Rio-Grandense.

O país não nos pertence, não na nossa experiência cotidiana. E as justificativas de tradição que eram usadas para impor símbolos pátrios caíram há gerações. A imposição de uma nação seria totalmente sem sentido se a administração do governo não nos forçasse a limites bem claros, particularmente no que diz respeito a segurança e comércio. Já no caso do Rio Grande do Sul, a identidade é uma expressão pessoal, e integrar-se nela não se confunde com viver em território rio-grandense, responder ao Tarso ou escrever nesta ou naquela língua. De forma alguma estou dizendo que o gauchismo não foi inventado. Mas uma tradição que preste, ao ser inventada, é confundida com a vida real de forma que nela se entranhe, tornando-se parte orgânica, sendo alimentada, portanto, na própria vida cultural de uma sociedade. A única função da unidade nacional é engordar políticos de Brasília e todos os estados poderem se vangloriar pelas mesmas Copas.

Até mesmo a letra dos hinos recebem respostas diferentes, e o deboche de trechos do gaúcho fazem parte da brincadeira. O deboche da letra do nacional é um desrespeito, uma afronta ou uma desvalorização. Definitivamente, a possibilidade de humor interno nos indica a relevância de um símbolo. Quando o cômico é uma negação do símbolo, é porque ele, no fundo, não é nosso.

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