A capa da Revista Época deste mês mostra um cachorro na frente de um prato vegetariano e, após indicar o vegetarianismo como extremo dos luxos com que alguns animais são tratados, põe a pergunta: "Bicho de estimação virou gente?"
Não é disso que vou falar, mas não deixo passar o problema de "por que o vegetarianismo seria essa barreira entre 'animalidade' e 'humanidade'?" Sem pensar muito, já citaria os animais irem a psicólogos como escolha mais óbvia, se fosse para tentar marcar essa estranha barreira entre "nós" e "eles". Quero crer que o vegetarianismo foi escolhido porque é a última moda e eles resolveram que iam fazer uma matéria de capa sobre luxos com animais agora; o motivo da sincronicidade é o meu escolhido.
Agora, o que eu queria comentar mesmo era que esse tipo de capa grita que quem as decide é o pessoal do marketing. Sem diálogo com editores ou jornalistas. Não, precisa ser uma escolha pura e soberana do departamento de marketing. E isso porque revistas como a Época se querem de notícias, e sob nenhum ângulo essa capa é sobre uma notícia.
A matéria de capa apela a duas áreas fundamentais, que vou chamar aqui amadora e genericamente de sociologia e ciência. Pensando-se na primeira, o status dos animais de gente rica na sociedade não é notícia. O vislumbre que ele nos dá de determinada situação de pessoas endinheiras é tema para debate sociológico, mas não vai ser decidido na revista, além de dar pano para manga em discussões de fôlego que não vão ser atingidas pelo jornalista ali, por melhor que escreva ou se informe a respeito. Ou seja, não aconteceu nada para ser contado, algo que tenha valor em si de notícia (o que aconteceu ou acontece é um fenômeno prolongado ainda indefinido). Agora, donos de cachorro fornecerem pratos vegetarianos para seus animais seria notícia, mas não é relevante para sê-lo. Não sem um determinado contexto que o justifique, e o contexto de "ser um novo fenômeno sem explicação clara" não é um contexto.
Agora, se pensarmos na ciência, podemos expandir o problema para realmente todas as capas "científicas" de revistas de notícias. A matéria não fala sobre uma novidade na ciência, mas na relação entre humanos e animais (e novidade superficial, porque é mais do mesmo, de fato). Ou seja, a participação de qualquer cientista justificando o comportamento humano ou animal nesse caso não vai trazer novidades nem sobre um nem sobre o outro. Não vai se acrescentar informação científica significativa, a não ser alguma anedota sobre alguma descoberta pontual que, como acabo de indicar, é uma anedota. Não se trata de uma grande informação relevante para a humanidade ou para a sociedade, tanto que não foi essa informação, mas a picuinha sobre os cuidados "excessivos" com bichos de estimação que ganhou a capa.
Ou seja, a matéria só pode acumular conhecimento batido, talvez anedotas, e não vai informar nada sólido a respeito do problema central: relações de superestima entre animais e humanos.
E isso é a matéria de capa! A matéria de capa?! A matéria de capa.
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