Porto Alegre é uma cidade cultural, o que é um verdadeiro monumento à máxima "querer é poder" já que, comparada com cidades culturais, Porto Alegre parece antes pretensiosa que outra coisa. E digo que a fórmula funciona porque, convencendo os moradores da metrópole e dos arredores, faz com que todo mundo que queira fazer algo "cultural" tente, se esforce, acredite. Ou seja, nossa parca (em relação a grandes centros mundias) vida cultural seria ínfima ou inexistente não fosse nossa constante pregação do contrário. Em Porto Alegre, para orgulho dos sociólogos, é a crença que funda a realidade.
Eu curto esse sistema, esteticamente falando mesmo, mas ele carrega um "porém" bem irritante: como um meio cultural prevê intelectuais, e esses não nascem tão facilmente quanto um happening, quem se apresenta pega o volante. Não é que não existam intelectuais num sentido clássico, mas eles são muito, muito, muito raros. Raros demais para que brotem suficientes "intelectuais-interessados-em-público" para alimentar um meio que existe literalmente só porque a gente quer.
Quem, então, ocupa o espaço? Os amadores profissionais! Tenho certeza que não nos são exclusivos, mas os conheço apenas por aqui. Talvez sejam a versão moderna do que Machado descrevia em "Teoria do Medalhão"... Enfim, como uma celebridade cultural, o amador profissional tem autoridade porque tem. Sua palavra vale porque é a dele, seus comentários são interessantes porque assim ele e outros amadores profissionais o disseram. E eles falam, claro, sobre tudo. Para se ter uma ideia de como se metem em qualquer assunto, tendem a trabalhar como cronistas. Geralmente vêm da literatura, escrevendo, criticando ou ensinando a respeito, ainda que alguns mantenham outras profissiões paralelamente, seja Contábeis ou Medicina (não, não considero o Scliar um exemplo de amador profissional).
Enfim, um dos traços fundamentais do amador profissional é entender de mercado. Eles confundem ganhar dinheiro em profissões ligadas à cultura com "meu produto é cultura". São, novamente como as celebridades de outras áreas, bons em se vender. Uns melhores que outros, mas mantêm uma média satisfatória. Hoje, por exemplo, foi a repetição de um evento de amadores no Fronteiras da Educação, um puxadinho do Fronteiras do Pensamento, gigantesco grupo de palestras com bambambãs internacionais (alguns não) que vêm na cidade resumir a mensagem geral de seus livros e talvez autografar alguma coisa. As boas palestras e o proveito que alguns possam ter tirado de cada uma delas (nos Fronteiras) não justificam, porém, que os amadores profissionais achassem que, podendo armar a barraca no puxadinho, tivessem algo de relevante a dizer. Preocupados em evitar a disputa com os estrangeiros, que tinham como público em geral professores e acadêmicos, pensaram alto e retoricamente: "Por que não oferecer algo a nossos alunos também, não?"
Achada a retórica, feita a porcaria. Passou-se então a se organizar excursões de pré-adolescentes para ver cada nova apresentação do que seria uma palestra e, de fato, lembra mais começo de formação de empresários, com muitos gestos, muito barulho e quase nada a mais que isso. Um professor, servido com o abacaxi de ter um salão enorme lotado de pré-adolescentes e dois amadores profissionais do lado, tenta passar algo da questão-motivo do acontecimento, "Revolução Cultural e Desafio Ambiental". No meio da baderna, do barateamento (assustador) de maio de 68 e de piadas que só funcionam para pré-adolescentes (ou seja, para quem, sexualmente, nasceu ontem), os intelectuais à Porto Alegre pregraram o desrespeito e a liberação sexual.
Que desconhecimento de público! Quantos alunos têm real compreensão e interesse em saber sobre França, faculdade e História Antiga (para eles, muito antiga)? Quantos deles não tentam efetivamente desrespeitar o maior número de adultos do maior número de formas possível e transar (ou as sublimações a que têm acesso) o tempo todo? E não digo isso para tachá-los de bárbaros, digo para perguntar mesmo há quanto tempo os "palestrantes" não ENCONTRAM um pré-adolescente?!
Bom, a galera aproveitou o passeio: ficaram com quantos conseguiram e picharam os banheiros da universidade que os recebeu. Os alunos não se preocuparam em escutar mesmo o que os amadores mais espalhafatosos estavam realmente dizendo, mas adoraram o evento. Nitidamente essa gente tem algo a dizer aos jovens! Sim, os alunos precisam de uns caras que parecem nem entender (minimamente) de 1968 para lhes pregar baderna e sexo...
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