Um exemplar mais a mão, entre outros possíveis... |
Eu sou um fã atrasado de Mafalda. Fiquei sabendo da personagem no início da faculdade, ou um pouco antes. Todo o mundo falava muito bem, ou ficava quieto por não achar, aparentemente, que poderia falar mal ou demonstrar indiferença. Não observava o mesmo silêncio de ignorância como o meu. Consegui ler realmente mais coisa do Quino apenas depois de um bom tempo - afinal, entrar em Letras é também descobrir que toda a literatura que já lemos não é nada nem para uma simples conversa de bar.
Como foi verdade com outras leituras, fui gostando mais e mais, com o tempo. Nunca conseguia, mesmo assim, localizar por que achava essa graça tão particular nas tirinhas. Agora, acho que encontrei: gosto do problema proposto, que é, a meu ver, a dificuldade de se comunicar em outra língua. Mafalda não fala "sucesso" quando abre a boca, nem todas as coisas atreladas a isso geralmente. Ou seja, ela questiona a ordem do mundo, sem confundir as pessoas que realizam essa ordem no microuniverso do dia-a-dia com a ordem em si - ainda que reconheça que tais pessoas possam se tornar meras ferramentas, esquecendo elas próprias outros aspectos de sua existência. Ela pressupõe que exista um ser humano (no sentido rico, variado, do humanismo) no policial, ou até mesmo no político, e sente seu direito de cobrar dignidade e juízo desses indivíduos.
Com exceção do momento em que decidi fazer Letras e de quando me encaminhei a dar aulas, poucos confrontos tive com o discurso do sucesso ou da ordem das coisas - dos desejos que devemos ter, das ordens que devemos seguir sem questionamento possível. Geralmente eu parecia ir nessa direção, porque o que eu queria coincidia com a ordem óbvia. Procurar emprego, por exemplo, faz as pessoas acharem que estamos querendo "crescer na vida" e coisas tais. Mas é possível procurar emprego, sei lá, para se sustentar, sem confundir carreira com vida, nem trabalho com única possibilidade de realização pessoal. Eis que agora sou todo dia confrontado com a exigência ou pressuposição de que eu deveria querer dinheiro, tanto por ele próprio como para fazer coisas que propagandas de margarina e filmes de Sandra Bullock implicam ser o ideal universal. Estou impressionado com a força e a acriticidade desse discurso nessa minha pacata cidade, tão longe de Hollywood... E me surpreende que eu precise desenhar para as pessoas que, a Sandra Bullock, prefiro Mafalda.
Um comentário:
Eu sou uma velha fã de Mafalda, talvez por ter sempre desconfiado da ordem estabelecida. Eu acho que responder aos outros com desconfiança é feio e meu fascínio com a Mafalda foi por ver que sempre quando ela questiona é bonito. Cada dia quero ser mais Mafalda.
E no fim, nunca tive jeito para ser Sandra Bullock...
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