"Bearded prophet of the meek and early archetype of the 1960s hippie."
Cf. http://dudeism.com/
PS: agradecimento à indicação de Cecília.
Falando sobre tudo de linguagem que chamar a minha atenção: placas, conversas, citações... Deem uma chance lendo aí embaixo e vão sacar o foco.
domingo, 28 de fevereiro de 2010
quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010
Dois silêncios eloquentes
Um prisioneiro morre em greve de fome contra um governo.
Nosso presidente não tece comentários, sorri.
Nosso presidente não tece comentários, sorri.
Moralidade mora aqui
Não sei se nos é exclusividade, mas Porto Alegre tem sempre no Centro um de três ou quatro promoters de uma mesma academia. A propaganda se baseia numa demonstração de agilidade. No caso, o feito é dividido em dois momentos. O primeiro, bastante breve, envolve a colocação de umas sessenta facas num círculo. No segundo momento, muito maior, o demonstrador passa duas a quatro horas ameaçando que vai pular pelo meio do círculo de facas ao mesmo tempo em que pede dinheiro para a plateia.
A demonstração é repetida umas três vezes num mesmo dia, calculo. Infalivelmente há um grupo significativo de pessoas na volta, assistindo. Uns ficam olhando por um minuto, outros por três, temo que alguns (sem-tetos ou não) efetivamente tenham assistido a tudo. Com certeza é um espetáculo. Cícero, por exemplo, morreria de inveja dessa capacidade de prender a atenção de tanta gente sem se dizer nada, apesar de que talvez se magoasse ao ter de questionar algumas noções básicas da Retórica.
Quando eu passava pelo lado da multidão, ontem, escutei uma das pérolas de sabedoria que forçosamente enchem as horas de espetáculo: "Porque aqui a gente pede. É muito melhor pedir do que roubar".
Bravo! Sempre acreditei que o esporte era uma força de ação moral na sociedade, e lá estão esses acadêmicos (aqueles que se exercitam em academias) provando inequivocamente minha crença. Só uma pulga me ficou atrás a orelha, devo admitir: vindo de um cara forte com 60 facas, a frase era uma lição ou uma ameça?
A demonstração é repetida umas três vezes num mesmo dia, calculo. Infalivelmente há um grupo significativo de pessoas na volta, assistindo. Uns ficam olhando por um minuto, outros por três, temo que alguns (sem-tetos ou não) efetivamente tenham assistido a tudo. Com certeza é um espetáculo. Cícero, por exemplo, morreria de inveja dessa capacidade de prender a atenção de tanta gente sem se dizer nada, apesar de que talvez se magoasse ao ter de questionar algumas noções básicas da Retórica.
Quando eu passava pelo lado da multidão, ontem, escutei uma das pérolas de sabedoria que forçosamente enchem as horas de espetáculo: "Porque aqui a gente pede. É muito melhor pedir do que roubar".
Bravo! Sempre acreditei que o esporte era uma força de ação moral na sociedade, e lá estão esses acadêmicos (aqueles que se exercitam em academias) provando inequivocamente minha crença. Só uma pulga me ficou atrás a orelha, devo admitir: vindo de um cara forte com 60 facas, a frase era uma lição ou uma ameça?
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terça-feira, 23 de fevereiro de 2010
Pela eficiência
"Porque agora eu aprendi esta palavra: popular. Sempre que se pergunta 'qual é o melhor programa pra se fazer tal coisa?', sempre tem um idiota pra dizer: 'não existe melhor, depende da situação'. Então agora eu pergunto 'qual é o mais popular...?', e aí se consegue uma resposta."
Aperfeiçoamento
Porto Alegre atingiu novo equilíbrio climático. Durante a noite chove, para que alguns lugares fiquem sem luz, outros alagados, e para que algumas árvores caiam. Durante o dia, sob sol ou sob nuvens, mantém-se o calor abafado de sempre, sem que a temperatura sofra o menor efeito das chuvas noturnas.
Aclamado
Ontem não estava nem em estado de ficar no computador o suficiente para tentar avançar meus trabalhos. Como acordei hoje romanticamente achando que estava melhor, liguei o computador e sentei novamente em minha cara cadeira. Fui recebido no meu clássico lugar de trabalho acadêmico por 9 mordidas de mosquito...
segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010
Nada de Meryl Streep
"'Quando fumei maconha, me senti gorda e paranoica': Campeã de bilheteria, a atriz - cujo personagem em Simplesmente complicado também usa a droga - revela como faz para se manter bela e desejada aos 60 anos".
Eis a chamada para uma entrevista com Meryl Streep! A forçada junção de personagem e atriz pela experiência com maconha serve para um comentário desnecessário que aglutina indistintamente a prática da primeira ("usa a droga") e uma experiência nitidamente pontual da segunda ("quando fumei", seguido de uma descrição aparentemente nada favorável do efeito). Tudo isso para colocar a fala da maconha no título? Por que seria grande coisa, algo chocante, que alguém tenha provado maconha? Essa é a "grande fala chamativa" que o cara conseguiu destacar numa conversa com Meryl Streep?!
Bem, a primeira pergunta da entrevista já diz muito. Sendo a atriz que mais concorreu ao Oscar (16 vezes), ela "perdeu" muitos, é claro. No caso, o último que ela ganhou foi em 1983. E o cara, tendo tanto a explorar, coloca uma pergunta a respeito, e da seguinte forma: "Não é frustrante perder sempre?"
Claro que, se o objetivo, como indica a manchete, era descobrir como ela se mantém "bela e desejada", não podia ter ido muito longe mesmo. Mas talvez fosse o caso de colocar esse jornalista a entrevistar Sabrina Sato ou Luciana Gimenez.
Eis a chamada para uma entrevista com Meryl Streep! A forçada junção de personagem e atriz pela experiência com maconha serve para um comentário desnecessário que aglutina indistintamente a prática da primeira ("usa a droga") e uma experiência nitidamente pontual da segunda ("quando fumei", seguido de uma descrição aparentemente nada favorável do efeito). Tudo isso para colocar a fala da maconha no título? Por que seria grande coisa, algo chocante, que alguém tenha provado maconha? Essa é a "grande fala chamativa" que o cara conseguiu destacar numa conversa com Meryl Streep?!
Bem, a primeira pergunta da entrevista já diz muito. Sendo a atriz que mais concorreu ao Oscar (16 vezes), ela "perdeu" muitos, é claro. No caso, o último que ela ganhou foi em 1983. E o cara, tendo tanto a explorar, coloca uma pergunta a respeito, e da seguinte forma: "Não é frustrante perder sempre?"
Claro que, se o objetivo, como indica a manchete, era descobrir como ela se mantém "bela e desejada", não podia ter ido muito longe mesmo. Mas talvez fosse o caso de colocar esse jornalista a entrevistar Sabrina Sato ou Luciana Gimenez.
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sábado, 20 de fevereiro de 2010
Eu ouvi direito?
O Lula se negou a subir nos palanques dos estados em que o PT não está uno e pacífico? O PT não se vangloriava de todas as formas de que suas divergências e brigas internas refletiam a riqueza e a democracia do partido?
Humilde
Num cartaz grudado numa parada de ônibus, uma mulher escondendo o rosto e mostrando a bunda. A frase em absurdo destaque:
"Vale a pena dar apenas uma olhada."
"Vale a pena dar apenas uma olhada."
Calmamente pela rua
"O neoplasma não é problema, na verdade, mas eu queria saber se era subsintomático, né, bicho?"
quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010
Atenção! Instruções para o gosto pessoal
Topo da capa de Época:
"O novo padrão de beleza da mulher"
Leia, ou você não saberá quem você acha bonita!
Destaque especial para a formulação boba (não há outra palavra) da chamada: "O corpo musculoso das mulheres que malham parece representar uma nova estética feminina que desafia os homens em seu próprio terreno. Mas essas mulheres saradas são realmente bonitas?"
"O novo padrão de beleza da mulher"
Leia, ou você não saberá quem você acha bonita!
Destaque especial para a formulação boba (não há outra palavra) da chamada: "O corpo musculoso das mulheres que malham parece representar uma nova estética feminina que desafia os homens em seu próprio terreno. Mas essas mulheres saradas são realmente bonitas?"
quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010
O pão como (o) meio
"Eu vou comprar pão pra gente poder comer manteiga."
segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010
Preciosismos de autocrítica
"Com ensino fundamental incompleto"... Mas digo "com" para me referir em seguida a algo que realmente não têm? "Sem ensino fundamental completo"... E a coisa completa a que me refiro, agora plenamente, é justamente aquilo que falta. "Com o nada" vs. "sem o tudo". Melhor "que não cursaram o ensino fundamental até o fim" mesmo!
domingo, 14 de fevereiro de 2010
Mais pesquisa e menos hormônios?
"Representando Afrodite e Eros no desfile da Império da Zona Norte, que teve o amor como tema, Ana (...) e Eduardo (...) emocionaram o público ao apresentar uma coreografia apaixonada e com direito a beijo."
E foi um senhor beijo. Pequeno detalhe: Afrodite é a mãe de Eros. Esses tais de gregos não são os que inventaram aquela história do Édipo? Acho que não eram bem fãs de incesto.
Ok, ok, isso é apenas pela tradição mais conhecida. Platão diz diferente e Hesíodo lhe dá duas origens, apenas uma vinda de Afrodite. Mas será que os Imperadores da Zona Norte estavam pensando em Platão, ou será que "Carnaval é isso aí"?
E foi um senhor beijo. Pequeno detalhe: Afrodite é a mãe de Eros. Esses tais de gregos não são os que inventaram aquela história do Édipo? Acho que não eram bem fãs de incesto.
Ok, ok, isso é apenas pela tradição mais conhecida. Platão diz diferente e Hesíodo lhe dá duas origens, apenas uma vinda de Afrodite. Mas será que os Imperadores da Zona Norte estavam pensando em Platão, ou será que "Carnaval é isso aí"?
sábado, 13 de fevereiro de 2010
Preservação de olhos e ouvidos
"Se cada um dos 6 bilhões de habitantes da Terra fizesse isso [consumisse menos], teríamos apagado da mídia a maioria das desgraças socioambientais a que assistimos diariamente."
Ótimo! Todos os habitantes da Terra consomem demais, pelo jeito na exata e mesma medida, ou numa proporção bastante clara, e o problema desse consumo não é a destruição da natureza (ou, para os egocêntricos, do habitat de nossa espécie), mas sim que a mídia fique bombardeada por notícias de catástrofes. Se pelo menos os jornalistas esquecessem os problemas do mundo, poderíamos desmatar e poluir em paz, certo?
Ótimo! Todos os habitantes da Terra consomem demais, pelo jeito na exata e mesma medida, ou numa proporção bastante clara, e o problema desse consumo não é a destruição da natureza (ou, para os egocêntricos, do habitat de nossa espécie), mas sim que a mídia fique bombardeada por notícias de catástrofes. Se pelo menos os jornalistas esquecessem os problemas do mundo, poderíamos desmatar e poluir em paz, certo?
sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010
Ensinai Lógica aos Adultos
"Aquela mulher chora 24h a noite toda!"
quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010
Antes que deletem da Wikipedia
A melhor primeira frase sobre uma figura pública:
"Daniel Valente Dantas (Salvador, c. 1954)[1] é um banqueiro brasileiro, filho da escritora e socialite Nicia Maria Valente Dantas e de Luís Raimundo ("Mundico") Tourinho Dantas."
"Daniel Valente Dantas (Salvador, c. 1954)[1] é um banqueiro brasileiro, filho da escritora e socialite Nicia Maria Valente Dantas e de Luís Raimundo ("Mundico") Tourinho Dantas."
Responsabilidade
Toda noite pego algum ônibus para voltar para a casa, mas existem pelo menos quatro opções válidas que passam pela parada onde fico esperando. Já que todos vão mais ou menos pelo mesmo trajeto, não me dei ao trabalho de decorar exatamente o caminho específico de todos. Acontece, portanto, de eu perguntar para o motorista, às vezes, apenas para ter certeza, se aquele vai para a parada numa determinada rua, particularmente melhor para mim. O problema é que os motoristas nunca sabem me responder isso! Ora, eu sei que moro num bairro pobre (não por coincidência moro aqui) e que o descaso é a resposta padrão de qualquer empresa ou governo para lidar com esse tipo de público, mas que espécie de motorista não sabe o trajeto que faz todo santo dia? Mesmo que não fizesse, aliás, o cara é motorista, e eu não acho isso estranho por considerar intrínseco à profissão, mas por lembrar de outros (de rotas e destinos diferentes) que sabiam esse tipo de informação.
Geralmente o número de pessoas em pé e de mulheres com cabelos lisos ou alisados responde qual a rota do ônibus (sem querer apoiar cotas...), mas fiquei impressionado agora que preciso desistir de confiar que alguém faça o trabalho direito. Afinal, hoje novamente não recebi meu salário, nem a maioria dos meus colegas, uma moça (que não será identificada) foi cobrada equivocadamente pela empresa de seu cartão de crédito, terei de fazer novamente trabalho administrativo de outrem graças a chiliques alheios, e o motorista não sabia para onde ia com aquela gente toda que pagou as abusivas passagens e sonhava chegar logo em casa... Quem faz o que deve? Será que a Justiça, pelo menos, vai fazer o Arruda cumprir pena? :D
Geralmente o número de pessoas em pé e de mulheres com cabelos lisos ou alisados responde qual a rota do ônibus (sem querer apoiar cotas...), mas fiquei impressionado agora que preciso desistir de confiar que alguém faça o trabalho direito. Afinal, hoje novamente não recebi meu salário, nem a maioria dos meus colegas, uma moça (que não será identificada) foi cobrada equivocadamente pela empresa de seu cartão de crédito, terei de fazer novamente trabalho administrativo de outrem graças a chiliques alheios, e o motorista não sabia para onde ia com aquela gente toda que pagou as abusivas passagens e sonhava chegar logo em casa... Quem faz o que deve? Será que a Justiça, pelo menos, vai fazer o Arruda cumprir pena? :D
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Cumprimento derradeiro
Chega meu tio e diz:
"E aí, Sr., continuamos lendo..."
"E aí, Sr., continuamos lendo..."
quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010
Transformação social
Quando um aluno tenta argumentar por mais de 10 minutos que a bolsa-auxílio garantida pelo governo está para seu estudo na mesma relação em que o salário de um professor está para seu trabalho, a transformação de programas sociais em assistencialismo está completa. Enfim a figura paterna não precisa ser provida pela religião; viva o Estado Laico Populista.
terça-feira, 9 de fevereiro de 2010
Funeral Blues
A poesia tem dois fins siameses: falar sobre o que parecia inominável e tornar o cotidiano algo indizível, por meio de derradeiras palavras, sempre insuspeitas. De uma forma ou de outra, a poesia, aquela que toca seus leitores tornando poemas-sombras tudo o mais que é meramente em verso, meramente egocêntrico, meramente rimado, essa poesia de impossível paráfrase é a palavra final, ainda que sempre repetida. E a última vantagem de citar poemas para dizer o que não podemos expressar por nossa retórica amadora é que a poesia não precisa falar daquilo de que aparentemente trata. Ou seja, não falo aqui da morte de ninguém:
Stop all the clocks, cut off the telephone,
Prevent the dog from barking with a juicy bone,
Silence the pianos and with muffled drum
Bring out the coffin, let the mourners come.
Let aeroplanes circle moaning overhead
Scribbling on the sky the message He is Dead.
Put crepe bows round the white necks of the public doves,
Let the traffic policemen wear black cotton gloves.
He was my North, my South, my East and West,
My working week and my Sunday rest,
My noon, my midnight, my talk, my song;
I thought that love would last forever: I was wrong.
The stars are not wanted now; put out every one,
Pack up the moon and dismantle the sun,
Pour away the ocean and sweep up the woods;
For nothing now can ever come to any good.
Wystan Hugh Auden
Stop all the clocks, cut off the telephone,
Prevent the dog from barking with a juicy bone,
Silence the pianos and with muffled drum
Bring out the coffin, let the mourners come.
Let aeroplanes circle moaning overhead
Scribbling on the sky the message He is Dead.
Put crepe bows round the white necks of the public doves,
Let the traffic policemen wear black cotton gloves.
He was my North, my South, my East and West,
My working week and my Sunday rest,
My noon, my midnight, my talk, my song;
I thought that love would last forever: I was wrong.
The stars are not wanted now; put out every one,
Pack up the moon and dismantle the sun,
Pour away the ocean and sweep up the woods;
For nothing now can ever come to any good.
Wystan Hugh Auden
sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010
Tá explicado!
"O caminho do engano nasce estreito, mas sempre encontrará quem esteja disposto a alargá-lo."
José Saramago
José Saramago
quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010
Milhões à educação! Paciência, a postos!
A nossa querida governadora, aclamada pelos gaúchos, declarou que "investirá" 143,4 milhões na rede pública de Educação. Metade dessa quantia vai para atravancar terrenos baldios e sujar as escolas com madeira e serragem (ou, no dialeto governamental, "obras"). O secretário estadual de Educação louva o governo pelas reformas já realizadas na Escola Antão de Faria, que corria risco de desabar, o que demonstra claramente o que os últimos anos de investimento têm a revelar sobre a ação do governo estadual. A quantia de quase 150 milhões equivale a tudo que foi aplicado na área nos últimos 3 anos. Esse despertar repentino de administração tão capenga e desigual deve-se ao déficit zero do RS. Ou seja, o governo deixou policiais e professores fazendo sopa de pedra no ano passado para dizer que sanou as finanças e poder aplicar, só então (mais perto das eleições), nos educadores que sobreviveram. É a qualificação profissional no melhor estilo "seleção natural": quem não morre de fome por 3 anos de displicência tem a chance de ver o governo meter os pés pelas mãos com uma bolada violenta no ano seguinte.
quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010
terça-feira, 2 de fevereiro de 2010
Homens são iguais às mulheres, salvo quando diferentes, e vice-versa, bem como o contrário também
Das notícias sobre o horário de verão (início e fim), sobre a corrupção no governo, sobre as escolas que agora fazem certo e acharam a solução para a educação, sobre a piora do ensino, sobre as "novas oportunidades" de emprego no período de férias, sobre aquecimento e esfriamento da economia, sobre o fim do mundo, sobre o Ano Novo ter chegado no Japão, e também na China, e também na Alemanha, e também na França, e também nos EUA, até as cotidianas notícias de que o pretóleo subiu, de que a última vítima da violência urbana era jovem e classe média demais para tal e (das minhas prediletas) de que o dia ontem teve o clima que ontem experimentamos, poucas notícias sazonais são tão repetitivas quanto a de que "agora as mulheres estão ocupando mais cargos e chefiando mais famílias, mas ainda recebem menos". Não duvido de que haja um catálogo com notícias repetidas todo ano que permitiriam uma revista da periodicidade de Época, Veja e Isto É nunca ter de escrever nada novo.
Mesmo assim, agora tão perto do Carnaval, por algum motivo a Época querer vir com essa, bem na capa, chamou minha atenção. Não sei se esperava esse tipo de repeteco mais para maio. Na verdade, faz sentido quererem dar uma respirada de progressismo antes dos blocos de Carnaval e do final do Big Brother. Fui enganado, no entanto, pela chamada da matéria: "Elas estão ganhando mais, ficaram mais independentes e mais poderosas. Uma pesquisa exclusiva mostra que estão fazendo tudo diferente dos homens - ainda bem." Mulheres salvarão a Terra. Mais do mesmo, não? Não! Porque o "ainda bem" do final da frase é falso. A matéria realmente indica a diferença de homens e mulheres (mexendo com dinheiro e aplicação, não se pense que falam sobre mulheres na política, na educação, nos hospitais - pelo jeito tão ineficientes quantos os cuecas), mas nem tudo são qualidades na relação das mulheres com o dinheiro (sim, o consumismo, particularmente ligado à moda, está entre seus pontos fracos).
Na verdade, a matéria, como não poderia deixar de ser, não traz grande novidade. E a representação de mulher que ali se encontra, exatamente porque lidam com o recorte "homem x mulher", redunda muito naquelas características antigas: mulheres cuidam mais da família e buscam mais estabilidade, homens são mais agressivos ("geneticamente, blablablá") e tanto ganham quanto perdem mais (algum gaúcho pensou Terra-Cambará?). Mulheres se contêm em grupos mistos mais do que quando estão apenas entre elas, o que também se reflete no trabalho. E é claro que tudo isso pode ser debatido conforme se compara os resultados da Época com outros estudos que recortam os investidores não por gênero, mas por cultura, faixa etária etc. O interessante, porém, é que essas questões foram colocadas na matéria. Em vez de encontrarmos os típicos reducionismos midiáticos, alguma ponderação e algum debate acadêmico entrou para o tema, e os próprios jornalistas (um homem e uma mulher) que escreveram a matéria tentam evitar extremismos. É engraçado encontrar expressões como "Um estudo publicado em 2007 pela respeitada Universidade de Cambrigde", como se dissessem "não estamos tirando de qualquer lugar nem de nossa cabeça, viu?", cacoete de ponderações acadêmicas quando se sabe que se pisa em ovos.
As características das mulheres resumem-se numa lista curiosamente antiquada: conservadorismo, expectativa de relações duradouras, prioridades flexíveis, equilíbrio (de interesses dentro e fora da empresa), apego aos detalhes, tendência gregária e consistência temporal; tudo isso com suas consequências ruins, além das boas. Surpresa: mulheres e homens são diferentes (agora com discurso genético por cima), e o "ainda bem" do subtítulo da capa revela-se extremamente relativo.
Sobre tudo isso há aquela ambígua sombra da cultura. Por mais geneticista que se seja, nenhum estudo científico sério parece subestimar o efeito da sociedade em tudo que fazemos, de modo que as mulheres tomarem novos cargos e mudarem seu comportamento também poderia distanciá-las desse papel "genético" ocidental: mãe (no sentido moral, o resumo de muitos neologismos e eufemismos da "mulher de negócios" que se encontra no texto). E se ela saísse desse papel, muitos de seus defeitos e qualidades mudariam e elas seriam "mais homens", com nossos defeitos e nossas qualidades? É justamente o medo das estudiosas do womenomics, que enfrentam o velho desafio do feminismo de incluir mulheres em posições tradicionalmente masculinas sem vesti-las de George Sand.
No fim, a matéria é surpreendentemente bem mais equilibrada e séria do que se encontra nas notícias sazonais, sejam de clima, economia ou "da mulher". De tal forma, devo dizer que me questionei se não encontrei aqui uma forma rara, uma matéria realmente sobre mulheres do mundo financeiro, e não a re-edição da boa e velha "agora-as-mulheres-estão-ocupando-mais-cargos-e-chefiando-mais-famílias,-mas-ainda-recebem-menos". Aliás, por que elas recebem menos, segundo essa matéria? Machismo? Não: lógica de mercado. Deixe os cargos de risco para os homens (que tomam riscos)! Além disso, os empregradores "tenderiam a dar a elas cargos menos estratégicos e desafiadores, já prevendo seu eventual afastamento para cuidar dos filhos", especialmente se elas não são reconhecidas como as melhores para correr riscos com seu dinheiro ou com o de outrem.
Particularmente, não acredito que genes não tenham nada a dizer, apesar de supor que sua palavra de ordem é antes "adaptabilidade" que "apego a tradições de gênero", mas é interessante que o papel de mãe seja moralmente ainda tão valorizado que a própria emancipação feminina (dessa linha ideológica, digamos) não tenha interesse em sair muito dele, mesmo que isso represente naturalizar um papel social. Bom, Finanças é resultado da sociedade burguesa (aqui referida sem cuidado epistemológico, mas não como nefasta em si), e se é possível juntar família burguesa e lucro, quem é o empregador que vai reclamar? E a empregadora? Reclamaria?
Mesmo assim, agora tão perto do Carnaval, por algum motivo a Época querer vir com essa, bem na capa, chamou minha atenção. Não sei se esperava esse tipo de repeteco mais para maio. Na verdade, faz sentido quererem dar uma respirada de progressismo antes dos blocos de Carnaval e do final do Big Brother. Fui enganado, no entanto, pela chamada da matéria: "Elas estão ganhando mais, ficaram mais independentes e mais poderosas. Uma pesquisa exclusiva mostra que estão fazendo tudo diferente dos homens - ainda bem." Mulheres salvarão a Terra. Mais do mesmo, não? Não! Porque o "ainda bem" do final da frase é falso. A matéria realmente indica a diferença de homens e mulheres (mexendo com dinheiro e aplicação, não se pense que falam sobre mulheres na política, na educação, nos hospitais - pelo jeito tão ineficientes quantos os cuecas), mas nem tudo são qualidades na relação das mulheres com o dinheiro (sim, o consumismo, particularmente ligado à moda, está entre seus pontos fracos).
Na verdade, a matéria, como não poderia deixar de ser, não traz grande novidade. E a representação de mulher que ali se encontra, exatamente porque lidam com o recorte "homem x mulher", redunda muito naquelas características antigas: mulheres cuidam mais da família e buscam mais estabilidade, homens são mais agressivos ("geneticamente, blablablá") e tanto ganham quanto perdem mais (algum gaúcho pensou Terra-Cambará?). Mulheres se contêm em grupos mistos mais do que quando estão apenas entre elas, o que também se reflete no trabalho. E é claro que tudo isso pode ser debatido conforme se compara os resultados da Época com outros estudos que recortam os investidores não por gênero, mas por cultura, faixa etária etc. O interessante, porém, é que essas questões foram colocadas na matéria. Em vez de encontrarmos os típicos reducionismos midiáticos, alguma ponderação e algum debate acadêmico entrou para o tema, e os próprios jornalistas (um homem e uma mulher) que escreveram a matéria tentam evitar extremismos. É engraçado encontrar expressões como "Um estudo publicado em 2007 pela respeitada Universidade de Cambrigde", como se dissessem "não estamos tirando de qualquer lugar nem de nossa cabeça, viu?", cacoete de ponderações acadêmicas quando se sabe que se pisa em ovos.
As características das mulheres resumem-se numa lista curiosamente antiquada: conservadorismo, expectativa de relações duradouras, prioridades flexíveis, equilíbrio (de interesses dentro e fora da empresa), apego aos detalhes, tendência gregária e consistência temporal; tudo isso com suas consequências ruins, além das boas. Surpresa: mulheres e homens são diferentes (agora com discurso genético por cima), e o "ainda bem" do subtítulo da capa revela-se extremamente relativo.
Sobre tudo isso há aquela ambígua sombra da cultura. Por mais geneticista que se seja, nenhum estudo científico sério parece subestimar o efeito da sociedade em tudo que fazemos, de modo que as mulheres tomarem novos cargos e mudarem seu comportamento também poderia distanciá-las desse papel "genético" ocidental: mãe (no sentido moral, o resumo de muitos neologismos e eufemismos da "mulher de negócios" que se encontra no texto). E se ela saísse desse papel, muitos de seus defeitos e qualidades mudariam e elas seriam "mais homens", com nossos defeitos e nossas qualidades? É justamente o medo das estudiosas do womenomics, que enfrentam o velho desafio do feminismo de incluir mulheres em posições tradicionalmente masculinas sem vesti-las de George Sand.
No fim, a matéria é surpreendentemente bem mais equilibrada e séria do que se encontra nas notícias sazonais, sejam de clima, economia ou "da mulher". De tal forma, devo dizer que me questionei se não encontrei aqui uma forma rara, uma matéria realmente sobre mulheres do mundo financeiro, e não a re-edição da boa e velha "agora-as-mulheres-estão-ocupando-mais-cargos-e-chefiando-mais-famílias,-mas-ainda-recebem-menos". Aliás, por que elas recebem menos, segundo essa matéria? Machismo? Não: lógica de mercado. Deixe os cargos de risco para os homens (que tomam riscos)! Além disso, os empregradores "tenderiam a dar a elas cargos menos estratégicos e desafiadores, já prevendo seu eventual afastamento para cuidar dos filhos", especialmente se elas não são reconhecidas como as melhores para correr riscos com seu dinheiro ou com o de outrem.
Particularmente, não acredito que genes não tenham nada a dizer, apesar de supor que sua palavra de ordem é antes "adaptabilidade" que "apego a tradições de gênero", mas é interessante que o papel de mãe seja moralmente ainda tão valorizado que a própria emancipação feminina (dessa linha ideológica, digamos) não tenha interesse em sair muito dele, mesmo que isso represente naturalizar um papel social. Bom, Finanças é resultado da sociedade burguesa (aqui referida sem cuidado epistemológico, mas não como nefasta em si), e se é possível juntar família burguesa e lucro, quem é o empregador que vai reclamar? E a empregadora? Reclamaria?
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Sempre presente
"Dizer, com o jovem Georg Lukács, que vivemos num mundo fragmentado, abandonado por Deus, mas não por seus muitos acólitos barulhentos, é correr o risco de atenuar os fatos."
Edward Said - 2003
Edward Said - 2003
Medida de temperatura em Porto Alegre
Se se para na frente do ventilador e não se sente um ar ainda mais quente, é porque o clima está melhorando.
Despertando com a menor propaganda enganosa da Terra
"Uma supertecnologia com a exclusividade Polishop!"
segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010
Superinteressante? Tem certeza?
Chamada de índice da revista deste mês:
"NAMORO OU AMIZADE? Homens e mulheres podem ser apenas amigos? Depende do homem e depende da mulher."
Ah!
"NAMORO OU AMIZADE? Homens e mulheres podem ser apenas amigos? Depende do homem e depende da mulher."
Ah!
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