domingo, 22 de setembro de 2013

Devil Inside

(Vídeo só por causa do título)

Se existe uma tendência minha mal posicionada é a seriedade com que costumo levar acordos. Por algum motivo eu respeito pequenas combinações do dia-a-dia, pequenos contratos, busco cumprir os papeis que assumo e trato as pessoas conforme os papeis que decidiram tomar, às vezes até insistiram, duvidando de que eu cumpriria o combinado. Mas eu cumpro. E a maioria das pessoas não. Por isso fico pensando volta e meia "Por que diabos eu busco cumprir essas coisas?"

Logo eu sou tachado como muito certo, muito comportado, muito duro, muito caxias, ou "o único professor que exige X". Estou longe de restringir o problema à minha relação profissional ou ao comportamento geral de professores. É um desvio que tenho com a humanidade mesmo. Ou, para dar o benefício da dúvida para outras culturas, meu desvio em relação ao meio em que vivo. 

O mais engraçado é que as pessoas, por isso, se surpreendem ao descobrir qualquer lado meu que desrespeite regras, etiqueta ou tradição. Logo elas percebem, no entanto, que esse desrespeito tem tudo a ver com minha personalidade, que elas deveriam suspeitar mesmo do tipo de demônio que levo comigo. E então elas se questionam por que alguém assim seria tão caxias. Resposta: porque eu não sou caxias com "as coisas", eu apenas acho que trato é trato. Pensando bem, talvez seja mesmo outro traço demoníaco: o de respeitar contratos e acordos.

domingo, 8 de setembro de 2013

Os poderosos clichês

Eu não lembro se já as comentei aqui no blog, mas o post anterior me fez retomar duas teorias que tenho sobre clichês.

A primeira delas é o que o cansaço que temos com clichês nos leva a subestimá-los, mas eles na verdade representam, em geral, verdades superconcentradas. Essa concentração se dá com o tempo, exatamente como no processo natural de decantação. Muitas histórias ou muitas versões estão sempre sendo aventuradas sobre tudo. Aquelas muito verdadeiras (coloque aqui seu teor de relativismo cultural, a gosto) sobrevivem por mais tempo e dominam as outras. O clichê do herói e da heroína formarem um casal, por exemplo, tem muito de verdadeiro. São duas pessoas que sobrevivem e vivem melhor juntas (tanto que ganham a aventura por isso) postas numa situação de stress, em que a confiança no outro é fundamental, e tudo isso gera uma série de vínculos e dependências que são uma mão na roda para o Cupido. É claro que muita projeção da plateia favorece tal tipo de relação romântica, mas isso é verdade para tudo, não só para os clichês.

Enfim, acho que eles são histórias ou esquemas que se repetiram e repetem muito, por isso mesmo viram clichês. Quem quer resistir a determinados valores precisa então atacar esses clichês, mas tal status não parece ser o melhor alvo. O argumento "isso é clichê", nesse sentido, reforça-o, pois afirma que aquilo aconteceu e segue acontecendo muito.

A outra questão é que clichês precisam ser concluídos. Como eles resultam de um acúmulo de experiência, a resposta pronta não quer dizer o mesmo que para aqueles que tiveram que chegar a ela batalhando e pensando. Assim, o mau cheiro do clichê em geral é reflexo de que a pessoa não o entendeu direito, está vendo-o de fora, precisa viver e até negar aquele clichê para chegar a ele. 

É esse aspecto que me incomodou no post anterior. Exatamente porque estou falando sobre o choque entre minha visão de mundo e a de tanta gente que me cerca, fico pensando quem poderia entender o post anterior no sentido que eu pensava. Estou falando mal de um "sistema", reclamando sobre uma idiotização da vida à Hollywood, tudo coisas que se fala muito, mas em geral num sentido diferente do que eu buscava. Como não tento explicar a minha vida aqui, a leitura do post deve indicar para muita gente o caminho errado. Ele deve ser lido em sentidos opostos aos que eu pensava. Mas, se eu acho justamente que a complicação da Mafalda é de tradução, esses mal entendidos acabam por reforçar meu argumento...

quarta-feira, 4 de setembro de 2013

Mais Mafalda!!!

Um exemplar mais a mão, entre outros possíveis...

Eu sou um fã atrasado de Mafalda. Fiquei sabendo da personagem no início da faculdade, ou um pouco antes. Todo o mundo falava muito bem, ou ficava quieto por não achar, aparentemente, que poderia falar mal ou demonstrar indiferença. Não observava o mesmo silêncio de ignorância como o meu. Consegui ler realmente mais coisa do Quino apenas depois de um bom tempo - afinal, entrar em Letras é também descobrir que toda a literatura que já lemos não é nada nem para uma simples conversa de bar.

Como foi verdade com outras leituras, fui gostando mais e mais, com o tempo. Nunca conseguia, mesmo assim, localizar por que achava essa graça tão particular nas tirinhas. Agora, acho que encontrei: gosto do problema proposto, que é, a meu ver, a dificuldade de se comunicar em outra língua. Mafalda não fala "sucesso" quando abre a boca, nem todas as coisas atreladas a isso geralmente. Ou seja, ela questiona a ordem do mundo, sem confundir as pessoas que realizam essa ordem no microuniverso do dia-a-dia com a ordem em si - ainda que reconheça que tais pessoas possam se tornar meras ferramentas, esquecendo elas próprias outros aspectos de sua existência. Ela pressupõe que exista um ser humano (no sentido rico, variado, do humanismo) no policial, ou até mesmo no político, e sente seu direito de cobrar dignidade e juízo desses indivíduos.

Com exceção do momento em que decidi fazer Letras e de quando me encaminhei a dar aulas, poucos confrontos tive com o discurso do sucesso ou da ordem das coisas - dos desejos que devemos ter, das ordens que devemos seguir sem questionamento possível. Geralmente eu parecia ir nessa direção, porque o que eu queria coincidia com a ordem óbvia. Procurar emprego, por exemplo, faz as pessoas acharem que estamos querendo "crescer na vida" e coisas tais. Mas é possível procurar emprego, sei lá, para se sustentar, sem confundir carreira com vida, nem trabalho com única possibilidade de realização pessoal. Eis que agora sou todo dia confrontado com a exigência ou pressuposição de que eu deveria querer dinheiro, tanto por ele próprio como para fazer coisas que propagandas de margarina e filmes de Sandra Bullock implicam ser o ideal universal. Estou impressionado com a força e a acriticidade desse discurso nessa minha pacata cidade, tão longe de Hollywood... E me surpreende que eu precise desenhar para as pessoas que, a Sandra Bullock, prefiro Mafalda.