Um pioneiro da política brasileira |
Tudo que falavam mal do filme Lincoln me dava mais vontade de assistir ao filme. Fui atrás, vi e realmente curti muito. Talvez o filme nem me parecesse tão interessante se esse tipo de narrativa fosse mais comum, mas a raridade de filmes sem ação, perseguição, tiros (obviamente aparece o mínimo de violência, pois se está na Guerra da Secessão) e casos de amor dá um gosto todo especial para a produção. Nada contra, na verdade, todas essas características em filmes, mas eu continuo com meu gosto clássico, achando que cada elemento de uma obra de arte deve fazer sentido dentro dela ou ter a graça certa do fortuito que não parece fortuito. Caso contrário, o elemento não deveria entrar.
Lincoln tem, é verdade, amor. Não tem é romance. Tem vários tipos de amor, especialmente o paterno, coisa difícil de ser vista sem frufrus idiotas. De resto, um pouco de amor conjugal, bem pouco.
O principal no filme são ideias e discussões, e uma baita forçada de mão do presidente, que prolonga o conflito e limpa o chão com a Constituição a fim de usar escravos como sujeitos livres e criar o contexto para passar a emenda que proíbe a escravidão no país. E é isso, bem mais que a falta dos elementos que citei antes, o melhor do filme. Porque ele propõe, a meu ver, um debate bem capcioso, que a maioria vai querer ignorar no filme: os fins justificam os meios? No caso do Lincoln, parece fácil: nossa, quem seria contra ele torcer a Constituição do país feito pano de chão para poder libertar os escravos?
Bem, isso parece fácil dizer agora. A escravidão é uma verdade humana desde que existe Estado, talvez até um pouquinho antes. Durante a maior parte da nossa história, quase o mundo inteiro aceitava seus tipos de escravidão. É óbvio que os escravos não estavam sempre resignados com essa situação, mas, como um elemento da vida em sociedade, era aceito. A decisão de abolição, no século XIX, por mais que trouxesse séculos de questionamento filosófico e ético, ainda estava longe de ser pacífica. Como podemos definir que os fins justificam os meios quando ninguém tem claro, no calor do momento, o que é realmente certo ou errado? E até que ponto os fins podem justificar os meios, e quando estes devem começar a pesar?
O presidente dos Estados Unidos, morto há mais de século, pode justificar os meios pelos fins, jurando que está bem intencionado. O PT pode? O PSDB pode? O Psol pode? Se deixamos de acreditar no sistema político (não me parece que algum brasileiro realmente acredite), podemos passar por cima dos processos todos para conseguir o que é bom? E podemos ter certeza que é bom? E teremos a cara de pau de chamar de democracia, ainda que o efeito seja mesmo bom?
Nenhum comentário:
Postar um comentário