Detroit: Become Human é um jogo de PS4 de 2018 que segue a estrutura dos antigos livros-jogos. A gente comanda três androides que fogem de sua programação e tentam viver de acordo com sua própria ética. Deles, o que inicia uma revolta contra os humanos era o que menos me interessava, até o ponto em que começamos a definir a postura geral do movimento: violência ou pacifismo.
Meu interesse no revoltoso sempre foi pelo caminho pacífico, porque eu queria muito descobrir qual era a opinião dos roteiristas a esse respeito.
Há tempos eu não consigo acreditar em mudanças sociais sem violência, por mais que eu propriamente seja muito pouco habilidoso para isso e, sempre que possível, um covarde. Eu não quero violência e o nível atual, sem guerra civil, já é mais que insuportável, a meu ver. Por outro lado, como qualquer coisa pode mudar se ninguém confronta o direito de violentar os outros, justamente a característica decisiva de qualquer elite (e rosas não ameaçam armas).
A retórica da unidade, do patriotismo, do legalismo há muito escrachou sua natureza hipócrita de "racionalização para o status quo". A balela toda é infantil. A autoridade é sempre a máscara de uma violência que possa ser exercida assim que "se falte com o respeito".
É óbvio que existem outras formas de vínculo social facilmente confundíveis com autoridade, como o respeito, a admiração, o carinho... tudo isso pode provocar comportamentos que lembram a postura exigida por figuras de "autoridade", mas esta, se merece esse nome, é porque esconde uma violência potencial. O professor, o policial, o político, o traficante, todo o mundo só é "autoridade" se é capaz de punir aqueles que lhe desrespeitam.
Assim, o mantra da mudança pela paz flerta sempre com uma mentira sustentadora de elites: muita gente arrota pacifismo para justificar que se agrida quem ponha em cheque o poder, ou seja, que arrisque enfraquecer a autoridade (potencial de violência) da elite. Ora, quem tem poder de fogo só teme poder de fogo. Ao mesmo tempo, se alguém toma o comando via poder de fogo, nada nos garante que não o volte contra nós em seguida (como se vê nas trupes dos arrependidos em apoiar movimento ou partido tal, há séculos).
Enfim, qual a opinião dos roteiristas sobre o pacifismo? É um caminho difícil, martirizante, tênue, que só funciona depois de muitas mortes e no último segundo, com o apoio indireto de outras pessoas atipicamente éticas, construindo uma solução temporária, sem garantias. Tenho a impressão de que os roteiristas concordam comigo.
Falando sobre tudo de linguagem que chamar a minha atenção: placas, conversas, citações... Deem uma chance lendo aí embaixo e vão sacar o foco.
domingo, 1 de dezembro de 2019
sexta-feira, 29 de novembro de 2019
Aqui está bom, esta sala parece vazia
Então, é hora de retomar este espaço. Em parte, porque voltei ao Twitter, única rede em que marquei este blog; o real motivo, porém, é que estou precisando de uma desculpa para seguir escrevendo, especialmente se conseguir fazê-lo diariamente, sem a responsabilidade de montar um conto ou apontar para um romance. Passo por uma pequena crise de estilo, incomodado com coisas que se manifestam invariavelmente nos meus textos. Enquanto revejo minha perspectiva sobre o mundo e a humanidade, pensei em manter o exercício da escrita vivo por aqui.
Joyce Carol Oates costuma indicar para escritores que mantenham um diário, e isso certamente também é um fator para eu retomar o blog. Um diário clássico não faz meu estilo, mas quase ninguém deve passar por esta página hoje em dia. Suponho que apenas desavisados, enganados por qualquer link acidental, que logo saem correndo. Se as pessoas não querem ler meus posts, raros, de um parágrafo, no Face, ninguém deve acompanhar um texto num blog esquecido. Ou seja, aqui é o lugar certo para eu fazer um quase-diário.
Devo avisar, talvez, que, se alguém passar por aqui e quiser comentar, tranquilo. Eu pretendo ter raro ou nenhum leitor, mas saber que há gente lendo não vai me desmotivar de cara.
Visitar o blog tem outra vantagem: descubro que algumas crises minhas são anteriores ao que eu imaginava. O último post antes deste, por exemplo, eu suporia ter escrito em 2016, mas já estava daquele jeito um ano antes! É triste descobrir, porém, que o Brasil resolveu juntar 3 das 4 hipóteses que eu havia calculado como péssimos retrocessos. Não só os santos nos ajudam para baixo, o esforço dos eleitores é bastante poderoso.
Bom, eu não pretendo, por incrível que pareça, anotar nada tão obviamente político quanto aquele post. Na verdade, a Joyce, ou mais alguém que ouvi falar de diários, motivou-me a comentar coisas boas e curiosas que aconteceram no dia. Há algumas opções possíveis hoje, mas um papo na aula se destaca no momento.
Ontem uma série de gurias foram assaltadas depois de saírem da escola. Grupos diferentes delas foram abordados em sequência, por um mesmo cara. Hoje eu entrei na turma de formandos, no primeiro período, e as gurias assaltadas daquela turma vieram me contar a respeito. Elas já estavam meio recuperadas e logo, para minha surpresa, estávamos fazendo algumas piadas a respeito, mesmo que tenham perdido seus celulares e duas tenham sido ameaçadas de morte.
O positivo que eu pretendia comentar não é, por óbvio, que a violência seja tão pressuposta por todos que esse papo pudesse degringolar para o humor. O que se destacou para mim foi que, depois de anos dando aula para elas (sou professor de umas há dois anos e de outras há três), mesmo com atritos e muitas dificuldades, nosso convívio tenha promovido proximidade e confiança. Uma vez estabelecido que eu estava ali querendo que elas aprendessem e passassem de ano, nossas brigas recorrentes enquadraram-se numa perspectiva que favorecia uma boa relação, incluindo o esquecimento ou atenuação dos vários momentos ruins.
Eu não sou um professor afetuoso, comparado ao clichê de educadores. Não amo dar aula (muito melhor escrever) nem esqueço dos pesados abusos que governos e eleitores exercem contra a minha profissão todo santo dia. Eu odeio ser contratado por uma sociedade absolutamente hipócrita, que se engana por anos a fio a respeito do que espera da escola. Ainda assim, como disse, o convívio tem sua força, e em toda sala há gente com quem nosso santo bate. Foi um pouco o desgaste do cotidiano, portanto, com seu efeito benéfico, que preparou a mim e àquelas gurias, que tanto corrigi e com quem tanto já discuti, para que pudéssemos aliviar a violência e seu necessário trauma com umas leves risadas. O longo moer dos 200 dias letivos, pelo jeito, não planta só estafa.
Joyce Carol Oates costuma indicar para escritores que mantenham um diário, e isso certamente também é um fator para eu retomar o blog. Um diário clássico não faz meu estilo, mas quase ninguém deve passar por esta página hoje em dia. Suponho que apenas desavisados, enganados por qualquer link acidental, que logo saem correndo. Se as pessoas não querem ler meus posts, raros, de um parágrafo, no Face, ninguém deve acompanhar um texto num blog esquecido. Ou seja, aqui é o lugar certo para eu fazer um quase-diário.
Devo avisar, talvez, que, se alguém passar por aqui e quiser comentar, tranquilo. Eu pretendo ter raro ou nenhum leitor, mas saber que há gente lendo não vai me desmotivar de cara.
Visitar o blog tem outra vantagem: descubro que algumas crises minhas são anteriores ao que eu imaginava. O último post antes deste, por exemplo, eu suporia ter escrito em 2016, mas já estava daquele jeito um ano antes! É triste descobrir, porém, que o Brasil resolveu juntar 3 das 4 hipóteses que eu havia calculado como péssimos retrocessos. Não só os santos nos ajudam para baixo, o esforço dos eleitores é bastante poderoso.
Bom, eu não pretendo, por incrível que pareça, anotar nada tão obviamente político quanto aquele post. Na verdade, a Joyce, ou mais alguém que ouvi falar de diários, motivou-me a comentar coisas boas e curiosas que aconteceram no dia. Há algumas opções possíveis hoje, mas um papo na aula se destaca no momento.
Ontem uma série de gurias foram assaltadas depois de saírem da escola. Grupos diferentes delas foram abordados em sequência, por um mesmo cara. Hoje eu entrei na turma de formandos, no primeiro período, e as gurias assaltadas daquela turma vieram me contar a respeito. Elas já estavam meio recuperadas e logo, para minha surpresa, estávamos fazendo algumas piadas a respeito, mesmo que tenham perdido seus celulares e duas tenham sido ameaçadas de morte.
O positivo que eu pretendia comentar não é, por óbvio, que a violência seja tão pressuposta por todos que esse papo pudesse degringolar para o humor. O que se destacou para mim foi que, depois de anos dando aula para elas (sou professor de umas há dois anos e de outras há três), mesmo com atritos e muitas dificuldades, nosso convívio tenha promovido proximidade e confiança. Uma vez estabelecido que eu estava ali querendo que elas aprendessem e passassem de ano, nossas brigas recorrentes enquadraram-se numa perspectiva que favorecia uma boa relação, incluindo o esquecimento ou atenuação dos vários momentos ruins.
Eu não sou um professor afetuoso, comparado ao clichê de educadores. Não amo dar aula (muito melhor escrever) nem esqueço dos pesados abusos que governos e eleitores exercem contra a minha profissão todo santo dia. Eu odeio ser contratado por uma sociedade absolutamente hipócrita, que se engana por anos a fio a respeito do que espera da escola. Ainda assim, como disse, o convívio tem sua força, e em toda sala há gente com quem nosso santo bate. Foi um pouco o desgaste do cotidiano, portanto, com seu efeito benéfico, que preparou a mim e àquelas gurias, que tanto corrigi e com quem tanto já discuti, para que pudéssemos aliviar a violência e seu necessário trauma com umas leves risadas. O longo moer dos 200 dias letivos, pelo jeito, não planta só estafa.
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