No décimo quinto episódio da série original de Jornada nas Estrelas (ou seja, em 1967), temos o choque cultural entre Spock e os demais membros da tripulação frente à ideia de descanso. A Enterprise orbita de um planeta que parece absurdamente tranquilo e paradisíaco, e Kirk "ordena" descanso geral, uma oportunidade para descerem no planeta em busca de diversão e atividades recreativas. Spock não entende a noção de fazer algo para descansar, se o descanso seria justamente fazer o mínimo possível, a fim de gastar menos energia. Os tripulantes humanos riem da cara de Spock, de sua incorrigível "lógica que não nos entende".
Acontece que não há nada essencialmente humano na associação entre "descanso" e "porra-louquice", me parece. A ideia de feriado é que foi muito distorcida, a ponto de se pensar que descanso é sinônimo de atividade extenuante fora do comum.
Em primeiro lugar, creio que a ideia de feriado vem de dia sagrado, e um dia sagrado é um momento de intensa e importante atividade, o que entenderíamos hoje como mais trabalho. Numa festa religiosa, a comunidade está envolvida em contribuir com a natureza, vista de forma divina, a fim de que a ordem em que a comunidade saiba viver se perpetue. É, portanto, nos tristes termos atuais, um dia de vital trabalho comunitário, em que as pessoas não podem desrespeitar mais horários ou uns aos outros, mas sim devem agir de forma estrita e calculada para não irritar o deus ou os deuses trazendo ruína para seu mundo. É um dia ainda mais regrado que o dia "comum" (que também tinha seu caráter sagrado, diga-se de passagem). Não conseguir mandar um bode expiatório para o deserto, significava conviver com o pecado entre a tribo, ou seja, morte e destruição desenfreada.
Só uma comunidade totalmente centrada num trabalho bitolado e alienante (e não em si mesma, ou seja, no usufruto de uma vida boa em comum) pode distorcer, como conseguimos, uma situação destas a ponto de entender que feriado, férias, descanso é quebrar todas as regras, fugir de si mesmo, ignorar o mundo e os outros, o que inclui quaisquer noções associadas obviamente àquela atividade "chatíssima e supra-ordenada" (por uma entidade impessoal, mas que no fundo é outro humano), o trabalho!
O desafio de inverter esse comportamento nem é grande, portanto. Não é preciso, como Spock, compreender o sentido da palavra "descanso" e aplicá-lo na prática. Longe de mim querer que o vaidoso ser humano seja lógico.
Bastaria as pessoas terem vidas em que reconhecessem maior sentido, que as tornassem mais felizes. Bastaria a gente levar o individualismo a sério, talvez (como a humanidade quase sempre levou a comunidade a sério): se é pra viver preocupado primeiro com o próprio umbigo, que seja a regra constante, de fazer o que se gosta e o que realiza cada um. Um grupo de humanos felizes, bem, realizados, não precisa desrespeitar os outros nos poucos dias em que acha que pode ser alegre. Não precisa, portanto, se matar na vontade de encontrar alguma gota de alegria num mundo de extenuante e entediante trabalho, em que as regras não lhe fazem sentido e que, portanto, geram a ideia de que desrespeito e alegria necessariamente andam juntos.
Um grupo de seres humanos felizes podem descansar quando é para descansar, sem confundir isso com a mania de uma anestesia egocêntrica e destrutiva. E as pessoas felizes que realmente gostam "sair da linha" sempre conseguem fazê-lo sem causar danos. Chega a ser quase impressionante, frente à gigantesca galera infeliz.